image/svg+xml
Consumo e distinção social no espaço digital
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
1, e022019
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
1
CONSUMO E DISTINÇÃO SOCIAL NO ESPAÇO DIGITAL
CONSUMO Y DIFERENCIACIÓN SOCIAL EN EL ESPACIO DIGITAL
CONSUMPTION AND SOCIAL DISTINCTION IN THE DIGITAL SPACE
Ana Lúcia de CASTRO
1
Marina Kuranaga SILVA
2
RESUMO
:
Partindo do pressuposto de que o consumo
-
como um dos
principais modos
pelos
quais o habitus pode ser expressado
-
carrega uma dimensão distintiva, na medida em que indica
fronteiras simbólicas e elos de pertença entre os grupos sociais, este artigo
busca
contribuir para
a reflexão sobre algumas dinâmica de distinção na configuração social brasileira
contemporânea. Para tanto, toma como universo empírico dois espaços recortados nas redes
sociais: um grupo de
Facebook
relacionado à compra e venda de produto
s na 25 de março,
famosa rua de comércio popular na cidade de São Paulo, e o perfil no
Instagram
de uma digital
influencer da área de moda e estilo, Maju Trindade.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Antropologia
. Consumo. Redes sociais. Classes sociais.
Distinção.
RESUMEN
: Asumiendo que el consumo
-
como una de las principales formas en que se puede
expresar el habitus
-
tiene una dimensión distintiva, en la medida en que indica fronteras
simbólicas y lazos de pertenencia entre grupos sociales, este artíc
ulo busca contribuir a la
reflexión sobre algunas dinámicas de distinción en la configuración social brasileña
contemporánea. Para ello, toma como universo empírico dos espacios recortados en las redes
sociales: un grupo de Facebook relacionado con la comp
ra y venta de productos en 25 de
Março, famosa calle comercial popular de la ciudad de São Paulo, y el Perfil de Instagram de
una influencer digital del área de moda y estilo, Maju Trindade.
PALABRAS CLAVE
:
Antropologia
. Consumo. Redes sociales.
Clases sociales. Distinción.
ABSTRACT
: Assuming that consumption
-
as one of the main ways in which habitus can be
expressed
-
carries a distinctive dimension, insofar as it indicates symbolic boundaries and
bonds of belonging between social groups, this
article seeks to contribute to the reflection on
some dynamics of distinction in the contemporary Brazilian social configuration. In order to
do so, it takes as an empirical universe two spaces cut out in social networks: a Facebook group
related to the p
urchase and sale of products on 25 de Março, a famous popular shopping street
in the city of São Paulo, and the Instagram profile of a digital influencer. from the fashion and
style area, Maju Trindade.
KEYWORDS
:
Anthropology
. Consumption. Social medias.
Social class. Distinction.
1
Universidade Estadual
Paulista
(
UNESP
)
, Araraquara
–
SP
–
Brasil
.
Professora do
Programa de Pós
-
graduação
em Ciências Sociais
.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
6165
-
7722
.
E
-
mail:
ana.castro@unesp.br
2
Universidade Estadual Paulista
(
UNESP
)
, Araraquara
–
SP
–
Brasil
. Graduada em Ciências Sociais. ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
78
15
-
1007
. E
-
mail: marinakuranaga@gmail.com
image/svg+xml
Ana Lúcia de CASTRO e Marina Kuranaga SILVA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022019
,
2022.
e
-
ISSN 2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
2
Introdução
O reconhecimento de Pierre Bourdieu nas ciências sociais pode ser entendido tanto pela
amplitude temática e fertilidade de suas obras, como também pela sua capacidade de articulação
de articulação das três matrizes clássicas (Marx, Weber e Durkheim), formu
lando uma proposta
teórico
-
metodológica inovadora em um momento de crise paradigmática no campo das
Ciências sociais. Em
A Distinção
(2007), Bourdieu parte de ampla pesquisa sobre o gosto no
contexto francês, buscando compreender seus condicionantes sociai
s e sua característica
distintiva, ao ser expressivo de classificações sociais, hierarquizantes e hierarquizadas,
operadas pelas diferentes frações de classe.
A reflexão suscitada pelo autor, sobre o gosto e os estilos de vida, é ponto de partida
para a d
iscussão proposta neste artigo, por mostrar caminhos pelos quais se pode extrair deles
muito mais do que análises individualizadas e individualizantes. Ou seja, à medida em que
Bourdieu nos demonstra os modos pelos quais o gosto é socialmente formatado, el
e apresenta
também que esse não se configura como indiscutível e pertinente exclusivamente ao domínio
da individualidade e, sim, como algo construído pelas trajetórias dos agentes nos campos
sociais.
Por que gostamos do que gostamos? Por que rejeitamos o
que rejeitamos? As
respostas para tais questões são reveladoras da tensão entre concepções
opostas sobre a formação do gosto, ora entendido "como engajamento
criativo, espontâneo com um objeto cultural", ora visto como "algo cujo
resultado é pré
-
determin
ado" (Stewart, 2013, p 3). Esse elemento tensionador
estrutura os debates nas Ciências Sociais que, contrariando a noção de senso
comum segundo a qual gosto não se discute, tem buscado o tematizar os
condicionantes sociais do gosto e o seu lugar nos proces
sos de produção de
desigualdades, na construção de fronteiras sociais e simbólicas e na formação
de grupos. Uma rápida passada pelos debates sociológicos travados
recentemente sobre o tema indica haver uma profunda discordância entre as
abordagens quanto à
individualização ou ao contrário a persistente
diferenciação e estratificação dos gostos e estilos de vida (BERTONCELO
;
MIRA, 2019, p.
19)
Neste sentido, os gostos representam, para além do que é apenas visível e aparente (o
que depositado e disposto no
s corpos), uma forma de expressar o campo social em que se
inserem os agentes e o habitus que portam.
Ressalta
-
se aqui a relevância do conceito de habitus, que pode ser entendido como
“estrutura estruturante e estruturada”, que opera como matriz de percep
ção e ação, geradora de
estratégias para as práticas e que orienta tendencialmente as ações e condutas dos agentes, e,
simultaneamente, é produzido ou formatado pelos capitais adquiridos desde a origem, durante
as trajetórias dos indivíduos.
image/svg+xml
Consumo e distinção social no espaço digital
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
1, e022019
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
3
O conceito de habitus, central na reflexão bourdiana, foi formulado em busca
da superação da dicotomia entre objetividade e subjetividade, preocupação
central na construção de seu arcabouço teórico, como aponta o próprio autor
(BOURDIEU, 1987) e comentador
es de sua obra (Ortiz, 1983; Peters, 2013
).
Em
sua formulação, Bourdieu considera o filtro subjetivo do agente, ao
apontá
-
lo como estruturante, sem, contudo, desconsiderar a objetividade da
estrutura social que o formata (CASTRO, 2019, p. 54)
.
[...] o ha
bitus constitui
-
se em estrutura estruturante que organiza as práticas e
a percepção das práticas, o habitus é também estrutura estruturada; o princípio
da divisão das classes lógicas que organiza a percepção do mundo social, é
por sua vez o produto da inco
rporação da divisão em classes sociais
(BOURDIEU, 2007, p.
164).
Nessa perspectiva, o agente não é mero reprodutor de estruturas fixas, como também
não é portador de uma consciência autônoma para coordenar as ações sem regras e estratégias
dispostas previ
amente em sua trajetória social. O que nos leva a perceber que os atores sociais
são produto e também produtores da estrutura social, em uma dinâmica constante de
retroalimentação
A cultura, portanto, é entendida nessa visão como dimensão privilegiada par
a que se
compreenda os processos de hierarquização, disputas de poder e distinções entre as classes,
tendo em vista que apenas a visão economicista não comportaria a análise dos aspectos
simbólicos das ações dos indivíduos que são produto e produtores da e
strutura social.
Na concepção de Bourdieu as distinções organizam o sistema simbólico, o que se
demonstra nos gostos, nos estilos de vida, no modo pelos quais os agentes dispõem e depositam
em seus corpos os objetos culturais que expressam posições e rel
ações. Nesse sentido, partindo
do pressuposto de que a compreensão sobre as relações e a dinâmica que configuram o mundo
social não se reduz ao econômico, o autor elabora o conceito de “capital cultural”, evidenciando
a ênfase na dimensão simbólica, entend
ida como essencial para a reflexão sobre classes e
hierarquias:
Um dos principais legados da obra de Bourdieu é a concepção de Cultura
como um capital, suscetível de ser acumulado, transmitido e convertido em
outros capitais, sendo, para isso, o
recurso nas lutas em torno da (re)produção
de fronteiras sociais e simbólicas (LAMONT; MOLNAR, 2002).
Originalmente empregado por Bourdieu (1982b) e colaboradores em suas
pesquisas sobre educação para explicar as taxas diferenciais do sucesso
escolar entre
as crianças de origens sociais
privilegiadas (em função da
transmissão familiar das disposições e competências que facilitavam
entendimento da linguagem pedagógica, a satisfação das exigências de
avaliação e a apropriação dos conteúdos escolares) o conceito de capital
cultural passou a
ser empregado posteriormente tanto como um princípio
autônomo de diferenciação social ao lado do capital econômico
(multidimensionalidade do espaço social) quanto como disposições para
image/svg+xml
Ana Lúcia de CASTRO e Marina Kuranaga SILVA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022019
,
2022.
e
-
ISSN 2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
4
apropriação (entendida como) legítima dos bens e práticas mais legítimo
s (ou
seja, daquilo que é visto como digno de ser apropriado) (BERTONCELO
;
MIRA, 2019, p. 24).
Neste sentido, o consumo
-
modo pelo qual o habitus pode ser
expresso
, bem como os
capitais cultural, econômico podem ser explicitados
–
carrega, dentre outras
, uma dimensão
distintiva
-
se tomamos como referência que todas as práticas delimitam nosso espaço dentro
do campo social
-
e o gosto é a forma pela qual se transforma os objetos em símbolos distintos
e distintivos (geralmente impulsionado pelo habitus).
Em consequência desse aspecto, o gosto
–
evidenciado, principalmente, pelo universo do consumo
-
é o que acaba por expressar
simbolicamente o nosso habitus e as nossas características de classe.
A ideia de gosto, tipicamente burguesa, já que supõe a liberdade absoluta da
escolha, é tão estreitamente associada à liberdade que é difícil conceber os
paradoxos do gosto da necessidade: ou por sua abolição pura e simples,
transformando a prática em um p
roduto direto da necessidade econômica
-
os
operários comem feijão por não disporem de recursos para comprar outro
alimento
-
e ignorando que, na maior parte do tempo, a necessidade só é
satisfeita porque os agentes têm propensão a satisfazê
-
la por terem o
gosto
daquilo a que, de qualquer modo, estão condenados; ou por sua transformação
em gosto de liberdade, esquecendo os condicionantes de que ele é o produto
e, assim, por sua redução a uma preferência patológica e mórbida para as
coisas de
-
primeira
-
ne
cessidade, uma espécie de indigência congênita,
pretexto para a prática de um racismo de classe que associa o povo ao que é
gordo e gorduroso, ao vinho tinto forte, aos enormes tamancos, aos trabalhos
pesados, à gargalhada estrondosa, às piadas, ao bom sen
so um tanto
rudimentar e às pilhérias grosseiras. O gosto é amor fati, escolha do destino,
embora forçada, produzida por condições de existência que ao excluir
qualquer outra possibilidade como se tratasse de puro devaneio, deixa como
única escolha o gosto
pelo necessário (BOURDIEU, 2007, p.
169)
.
Na análise bourdiana, o gosto das classes subalternas se pautaria, sobretudo, pelo senso
de necessidade, levaria a um sentimento de resignação, a uma “falta de cuidado consigo
mesmos”, expressando um senso estéti
co funcional preso às urgências do cotidiano, com o qual
as classes populares potencialmente passariam a priorizar o “ser” ao “parecer” no momento do
consumo.
(....) E a inversão da importância atribuída à alimentação e ao vestuário nas
classes populares
-
que consagram a prioridade ao ser
-
, enquanto as classes
médias manifestam a preocupação com o parecer, é o indício de uma
reviravolta de toda a visão do mundo. As classes populares transformam o
vestuário em uso realista ou, se preferirmos, funcionalis
ta. Ao privilegiar a
substância e a função em relação à forma, eles desejam a devida compensação,
se assim pode dizer, para seu gasto, escolhendo algo que “pode durar muito
tempo” (BOURDIEU, 2007, p.
190)
.
image/svg+xml
Consumo e distinção social no espaço digital
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
1, e022019
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
5
Canclini (2009), apoiado no trabalho de Grignon e
Passeron (
apud
CANCLINI, 2009),
atenua a ideia de que as classes subalternas, orientadas pela necessidade, não imprimiriam um
sentido estético às suas escolhas.
Ainda que os setores subalternos nãos disponham do tempo nem dos recursos
econômicos da burguesia para se entregarem a uma estilização da sua vida,
não vivem uma vida sem estilo
[
...
]
A teoria da legitimidade cultural, que
reduz as diferenças a faltas, as
alteridades a defeitos, não consegue ver a
estilização que se imprime a diferentes partes da casa, tudo aquilo que os
adolescentes populares cultivam nos enfeites do seu corpo, na roupa e na
cosmética, nos seus automóveis e motocicletas, no ambiente de seu
s quartos
ou lugares de diversão (CANCLINI, 2009, p
.
90)
.
Diante do exposto, cabe voltarmos o olhar para a configuração social brasileira
contemporânea e questionar sobre os modos pelos quais os grupos buscam distinção,
estabelecendo fronteiras simbólicas
e criando elos de pertença entre si. Para tanto, tomaremos
como universo empírico dois espaços recortados nas redes sociais: Um grupo de Facebook
relacionado à compra e venda de produtos na 25 de março, famosa rua de comércio popular na
cidade de São Paul
o e o perfil da influencer Maju Trindade.
Considerações metodológicas
Propor uma pesquisa de cunho etnográfico em ambientes digitais coloca vários desafios.
O primeiro deles
é eleger
quais “ambientes” digitais seriam os mais propícios para os objetivo
s
da pesquisa. Para tanto, tomamos como inspiração o trabalho de Leitão e Gomes (2017), que
sugerem:
tratar as plataformas digitais como ‘ambientes’ foi um passo decisivo,
considerando o fato de que um ambiente se define como tal por estar associado
à pr
ópria ideia de vida, tornando
-
se inevitável definir o gênero de vida que
trataríamos (LEITÃO
;
GOMES, 2017, p. 42)
.
Com base nesse argumento das plataformas digitais como “ambientes” relacionados a
ideias e gêneros de vida, buscou
-
se encontrar plataforma
s que ao mesmo tempo demonstrassem
práticas de consumo (compra, venda, divulgações e afins), assim como os discursos sobre essas
ações. As redes sociais, nesse sentido, se encaixaram nos parâmetros do campo mais adequado
para a realização das observações.
Instagram
e
Facebook
foram as escolhas de plataformas por
abrirem espaços tanto para as grandes campanhas publicitárias, como para os pequenos
anúncios, às compras e vendas dos mais diversos bens e objetos, bem como para as discussões
e fóruns em grupos e nichos de perfis e p
essoas sobre assuntos específicos e variados.
image/svg+xml
Ana Lúcia de CASTRO e Marina Kuranaga SILVA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022019
,
2022.
e
-
ISSN 2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
6
Os conceitos de “perambulações”, “acompanhamentos” e “imersões” (LEITÃO
;
GOMES, 2017) também serviram de base para o trabalho etnográfico, uma vez que a medida
em que os atores observados (influenciadores e seus seguidores no Instagram e os perfis que
interagem nos grupos do
Facebook
) não ficam fixos a uma só plataforma ou pág
ina, foi
necessário acompanhar o trânsito entre ambientes para melhor compreender os discursos e
discussões levantadas por eles.
Um exemplo disso, foi a necessidade de assistir a vídeos na plataforma
Youtube
, ligados
ao perfil da influenciadora Maju Tri
ndade, acompanhada mais sistematicamente pelo seu
perfil
no
Instagram
. Ademais, as interações via “seguir”, “
likes
”/“curtidas”, o “clicar” em
links
, o
“salvar
post
” e a “visualização”, também foram modos de possibilitar o acompanhamento.
Tendo em vista a
s dimensões da pesquisa em ambiente digital e a dificuldade de
conseguir contatar diretamente alguns atores (como os grandes influenciadores ou
administradores de grandes páginas), o método de captação de discursos e seus conteúdos se
deu de forma indireta
. Ou seja, apenas com base no que era postado publicamente. Portanto, foi
de grande importância o acompanhamento contínuo e por diferentes meios para que se pudesse
observar por diversos ângulos. Para tanto, foi criada uma conta (um perfil) na
plataforma
I
nstagram
, para seguir e interagir com os perfis selecionados anteriormente. Para a
entrada nos grupos na plataforma
Facebook
optou
-
se pelo uso do perfil pessoal para facilitar as
permissões de acesso aos conteúdos neles postados.
Para escolher os influen
ciadores que seriam seguidos no
Instagram
foi feita uma lista
com cerca de 15 nomes de perfis. O número de seguidores, a descrição do perfil, a qual nicho
pertence (moda, estilo de vida, cosméticos e maquiagem, comédia, música e outros), histórico
e parcer
ia com marcas, canais e perfis em outras plataformas e seus alcances, bem como notícias
e reportagens sobre os influenciadores foram pesquisados e colocados em lista dividida por
categorias (“Influenciadores da categoria beleza com cosméticos de baixo cust
o”,
“Influenciadores da categoria beleza com cosméticos de baixo e alto custo”, “Influenciadores
que ligam sua imagem a produtos de alto custo”, “Influenciadores de moda streetwear” e
“Influenciadores de moda consciente”). Com base nos dados listados, fora
m escolhidos três
perfis para dar início aos acompanhamentos. Foram eles
Hyped Content
, Maju Trindade
e Viih Rocha.
Para efeitos deste artigo, enfocaremos especificamente o perfil de Maju Trindade,
influenciadora ligada à moda e ao estilo de vida, que co
meçou a fazer sucesso com as suas
postagens de vídeos curtos sobre o cotidiano nas plataformas
Snapchat
e
Vine
, além de “
vlogs
”
image/svg+xml
Consumo e distinção social no espaço digital
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
1, e022019
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
7
no
Youtube
e postagens no
Instagram
. Atualmente conta com 6,1 milhões
3
de seguidores
no
Instagram
e tinha cerca de 17 milhões
de visualizações em seus vídeos no canal do
Youtube
4
.
Além de ser influenciadora, Maju também é modelo.
Quanto aos grupos do
Facebook
, a escolha foi feita por
palavras
-
chave
e número de
participantes. Foram encontrados grupos como “Lojas do Brás” (9,4 m
il membros),
“Maquiagem 25 de março” (3,8 mil membros) e “Cosméticos em atacado no Brás e 25 de
março” (4,4 mil membros)
5
. Com a permissão de acesso aos conteúdos, o primeiro grupo se
demonstrou mais propício para observações já que contém postagens mais
voltadas à
divulgação, compra e venda, diferentemente dos outros que acabam por conter postagens de
outros tipos misturadas ao conteúdo de vendas (como posts religiosos e outros).
A análise, portanto, desenvolveu
-
se a partir da observação das postagens,
comentários
e interações que se apresentam, tanto pelos membros dos grupos quanto pelos
influencers
e seus
seguidores no
Instagram
. Foram feitas capturas de tela das postagens e dos comentários feitos,
como forma de registrar os dados. Ademais, estão regis
trados em diário de campo aspectos
relevantes nos discursos e detalhes de imagens para a melhor compreensão dos dados e
informações coletadas, bem como para auxiliar na formulação dos relatórios sobre a pesquisa.
A rua 25 de março nos grupos de Faceboo
k
No tocante às questões sobre o consumo e a sua dimensão simbólica e a análise sobre o
tema no ambiente digital, é necessário compreender que as redes sociais e a internet são espaços
de trocas simbólicas, seja por meio de bens e objetos ou ideias e ima
gens. Conceber, portanto,
o digital como ambiente que possibilita a análise dos sentidos do consumo é também entendê
-
lo como “associado à própria ideia de vida” (LEITÃO
;
GOMES, 2017).
Em decorrência dessa noção, é necessário compreender como é regida a “v
ida” no
ambiente digital, principalmente naquilo que diz respeito ao tema central desta pesquisa, que
são os sentidos do consumo na cultura contemporânea.
As observações realizadas nos grupos do Facebook relacionados à compra e venda de
produtos da famosa
25 de março, na cidade de São Paulo, aponta
que mesmo que as classes
populares busquem os espaços de consumo de menor custo, há sempre a busca pela marca
3
Disponível em:
https://www.instagram.com/majutrindade/?hl=pt.
Acesso
em
:
22
jul.
2022.
4
Disponível em:
https://www.youtube.com/c/majuthings/about.
Acesso
em
:
22
jul.
2022
.
5
Disponível em
:
respectivamente
:
https://www.facebook.com/groups/1252936514819847
.
Acesso
em
:
22
jul.
2022
;
Disponível em
:
https://www.facebook.com/groups/886799731740423.
Acesso
em
:
22
jul.
2022
;
Disponível
em
:
https://www.facebook.com/groups/187218858489222.
Acesso
em
:
22
jul.
2022
.
image/svg+xml
Ana Lúcia de CASTRO e Marina Kuranaga SILVA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022019
,
2022.
e
-
ISSN 2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17040
8
(mesmo que em uma réplica), pela imagem e até pela ostentação. Percebemos a divulgação
massiva de peç
as que estampam nomes de marcas e grifes como
Givenchy, Louis Vuitton,
Versace, Gucci, Dulce & Gabbana, Adidas, Nike, Vans, Fila, Tommy Hilfiger
, dentre tantos
outros que demonstram a busca por produtos relacionados a bens de consumo legitimados pelas
classes médias altas, reproduzindo a lógica da distinção. Neste sentido, identificamos discursos
como
“ter a cara de rica”, ser “fina e rica”, dentre outros, indicativos da intencionalidade de
expressar um lugar social ou uma imagem associados aos grupos d
ominantes, supostamente
portadores do “gosto legítimo”. Como apontou Bourdieu, os gastos com aparência
–
ao lado do
consumo alimentar e consumo cultural
-
configura
-
se em uma das principais estratégias de
denotar distinção e a análise do material levantado
aponta nesta direção, lembrando que,
especialmente no Brasil, o desejo de aceitação social passa pela apresentação pessoal, pelas
disposições estéticas, pelo vestuário e uso de cosméticos.
Ademais, ainda pensando em contrapontos nos modos das classes soci
ais no contexto
brasileiro em relação ao contexto francês analisado por Bourdieu, é interessante trazer à
memória os chamados “cosplay de pobres” (ALANIZ, 2018). A palavra “
cosplay
” é uma junção
das palavra “
costume
” (fantasia) com “
roleplay
” (atuação, int
erpretação, brincadeira), e é
popularmente utilizada entre os fãs de animes e mangás para definir um tipo de entretenimento
no qual algumas pessoas passam a se fantasiar de personagens que gostam em eventos
relacionados aos temas. A ideia, porém, do termo
“cosplay de pobre” não se conecta com o
universo dos animes e mangás
–
apesar de haver um termo parecido dentro dele que representa
a confecção de fantasias de maneira precária, os chamados “
cospobres
” ou “
cheap
cosplays
”.
O termo “cosplay de pobre” é popu
lar entre estudantes de baixa renda que adentraram
universidades públicas brasileiras, principalmente os que dependem de políticas de
permanência estudantil, para designar estudantes (em sua maioria de classe média) que são
sustentados pela renda dos pais,
que optam por “interpretar o papel de pobres” através do
vestuário (roupas de grife com aparência envelhecida ou puída) e outros aspectos como forma
de lamentar sobre as “dificuldades financeiras” da vida universitária e como modo de sugerir
suposta
"soli
dariedade" com as dificuldades das classes menos abastadas.
Portanto, o que se nota é que em cada contexto se colocam sentidos e significados
diferentes ao que se consome. O caráter simbólico das práticas de consumo se altera a depender
de quais atores e,
principalmente, de qual espaço social se observa. O desejo
de imitação
ocorre
entre as classes e a distinção se coloca nos modos apresentados nas disposições e consumo de
bens. E, por mais que as classes populares busquem se aproximar das mais altas, semp
re há
image/svg+xml