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Entre o mainstream e o underground: Origens, trajetórias e capitais nos dois polos do rock brasileiro dos anos 1980
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
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ENTRE O MAINSTREAM E O UNDERGROUND: ORIGENS, TRAJETÓRIAS E
CAPITAIS NOS DOIS POLOS DO ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 1980
ENTRE MAINSTREAM Y UNDERGROUND: ORÍGENES, TRAYECTORIAS Y
CAPITALES EN LOS DOS POLOS DEL ROCK BRASILEÑO EN LA DÉCADA DE 1980
BETWEEN MAINSTREAM AND UNDERGROUND: ORIGINS, TRAJECTORIES AND
CAPITALS IN THE TWO POLES OF BRAZILIAN ROCK IN THE 1980S
Tiago Barros ROSA
1
RESUMO
: Trata-se de um estudo comparativo entre dois polos do rock brasileiro dos anos
1980 – o
mainstream
e o
underground
–, empreendido por meio do estudo da trajetória
individual e coletiva dos roqueiros brasileiros do período, em diálogo com conceitos de Pierre
Bourdieu, buscando identificar os capitais detidos pelos expoentes do rock que receberam a
preferência da indústria fonográfica do período, em comparação com um segundo grupo, que
ficou à margem da indústria da música. A pesquisa aponta que os distintos capitais (social,
cultural e econômico) detidos pelo primeiro grupo foram condicionantes importantes para o
recrutamento destes pela indústria da música, catapultando-os para o sucesso comercial e a
consagração artística, em detrimento do segundo grupo, que não dispunha dos mesmos trunfos
materiais e simbólicos.
PALAVRAS-CHAVE
: Rock brasileiro. Trajetória. Capitais. Distinção. Indústria fonográfica.
RESUMEN
:
Se trata de un estudio comparativo entre dos vertientes del rock brasileño de la
década de 1980, el mainstream y el underground, realizado a través del estudio de la
trayectoria individual y colectiva de los rockeros brasileños de la época, en diálogo con los
conceptos de Pierre Bourdieu, buscando identificar los capitales en manos de exponentes del
rock que recibieron la preferencia de la industria musical de la época (mainstream), frente a
un segundo grupo, que se encontraba al margen de la industria musical (underground). La
investigación señala que los diferentes capitales (social, cultural y económico) que ostentaba
el primer grupo facilitaron su captación por la industria musical, catapultándolos al éxito
comercial y la consagración musical, en detrimento del segundo grupo, que no contó con la
mismos bienes materiales y simbólicos.
PALABRAS CLAVE:
Rock brasileño. Trayectoria. Capitales. Distinción. Industria de la
musica.
1
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara – SP – Brasil. Doutorando em Ciências Sociais. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1982-4555. E-mail: tiago.barros@unesp.br
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Tiago Barros ROSA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
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ABSTRACT
: This is a comparative study between two strands of Brazilian rock in the 1980s,
the mainstream and the underground, undertaken through the study of the individual and
collective trajectory of Brazilian rockers of the period, in dialogue with Pierre Bourdieu's
concepts, seeking to identify the capitals held by rock exponents who received the preference
of the music industry of the period (mainstream), compared to a second group, which was on
the fringes of the music industry (underground). The research points out that the different
capitals (social, cultural and economic) held by the first group facilitated their recruitment by
the music industry, catapulting them to commercial success and musical consecration, to the
detriment of the second group, which did not have the same material and symbolic assets.
KEYWORDS
:
Brazilian rock. Trajectory. Capitals. Distinction. Music industry.
Introdução
Temos como objetivo neste artigo – baseado em nossa dissertação de mestrado (ROSA,
2021) –, identificar os capitais detidos pelos agentes recrutados pela indústria fonográfica dos
anos 1980 no Brasil e tidos, ainda hoje, como alguns dos maiores representantes do
rock
brasileiro em todos os tempos, ou seja, referimo-nos sobretudo aos principais compositores de
bandas como Barão Vermelho (Roberto Frejat e Cazuza), Paralamas do Sucesso (Herbert Viana
e Bi Ribeiro), Legião Urbana (Renato Russo e Dado Villa-Lobos), Capital Inicial (Dinho Ouro-
Preto e os irmão Fê e Flávio Lemos), Titãs (Sérgio Britto, Arnaldo Antunes, Nando Reis e Tony
Belloto) e Ultraje a Rigor (Roger Moreira), a quem estamos denominando
mainstream,
comparando-os com um grupo de roqueiros que ganharam pouca ou nenhuma atenção da
mesma indústria, apesar de possuírem legitimidade na chamada cena alternativa e estarem em
atividade até os dias de hoje com suas bandas, tais quais os grupos Ratos de Porão, Cólera e
Inocentes.
Nossa pesquisa sugere que os capitais (social, cultural e econômico) detidos pelo
primeiro grupo facilitaram o recrutamento destes pelas principais gravadoras do mercado; em
detrimento do segundo grupo, que não dispunha dos mesmos trunfos simbólicos e materiais.
A partir de um estudo prosopográfico, isto é, de um estudo da biografia coletiva destes
destacados personagens do Rock Brasileiro dos anos 1980, vimos que estes agentes formavam
dois agrupamentos sociais bastante distintos (sendo homogêneo no tocante ao perfil social no
interior de cada um deles). No caso dos agentes pertencentes ao
mainstream
, a pesquisa indica
que eram homens, jovens, brancos, oriundos do eixo Rio-São Paulo, herdeiros de famílias com
alto grau de capitais social, cultural e econômico, possuindo ainda circulação internacional
antes mesmo do início de suas carreiras.
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Entre o mainstream e o underground: Origens, trajetórias e capitais nos dois polos do rock brasileiro dos anos 1980
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Este perfil social se contrapunha às características individual-coletiva dos integrantes
das mais representativas bandas surgidas no interior do movimento punk na cidade de São Paulo
e ABC Paulista, sendo estas formadas por jovens moradores de bairros operários e periféricos
destas cidades, em sua maioria trabalhadores assalariados (principalmente office boys),
estudantes dos colégios estaduais de seus respectivos bairros e também de cursos técnicos
(marcador social de classes populares), os quais relataram dificuldades econômicas para
adquirir discos, instrumentos e equipamentos musicais.
Desse modo, têm-se em ambas as esferas, no
mainstream
e no
underground
, jovens da
mesma faixa etária, no mesmo período (fins da década de 1970 e início da de 1980), tocando e
compondo músicas “de protesto”, influenciados pelas mesmas bandas internacionais e que, em
determinado momento, compartilharam os palcos em casas noturnas na cidade do Rio de
Janeiro e de São Paulo. No entanto, enquanto o primeiro agrupamento recebeu as maiores
recompensas materiais e simbólicas propiciadas pelo mercado da música naquele momento, os
integrantes do segundo grupo jamais conseguiram, sequer, se dedicar e viver exclusivamente
de suas carreiras, sendo obrigados a manter empregos paralelos para sobreviver.
Além desta introdução e das considerações finais, o presente artigo está dividido em
quatro seções: na primeira, faremos uma síntese do surgimento do Rock Brasil no cenário
cultural nacional, por meio de sua inserção na indústria fonográfica e nos meios de
comunicação; na segunda, apresentaremos o perfil social e os capitais dos expoentes do Rock
Brasil; na terceira, apresentaremos o surgimento das bandas punks paulistas (
underground
),
concedendo especial atenção à história da banda Inocentes e de seu fundador Clemente
Nascimento; finalmente, na quarta seção, faremos uma análise das vantagens competitivas
detidas, no espaço da música, pelos agentes do
mainstream
a partir dos seus capitais ou
habitus
de classe.
Chegada do Rock Brasil na indústria fonográfica e nos meios de comunicação de massas
O rock brasileiro dos anos 1980 – também chamado de Rock Brasil – foi o gênero
musical dominante em termos comerciais durante a referida década, e seu surgimento esteve
atrelado à convergência de eventos sociais, econômicos e políticos, tais quais o gradual término
da ditadura civil-militar (1964-1985) e o consequente abrandamento da censura e do
patrulhamento ideológico; a crise financeira pela qual passava o Brasil e a indústria fonográfica
no período; e o desgaste dos artistas então hegemônicos na cena cultural, sobretudo, perante um
novo público consumidor, que não se identificava como anteriormente com a linguagem
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metafórica e politizada da MPB (MAGI, 2011; ALEXANDRE, 2013; DAPIEVE, 2015;
PAIVA, 2016).
Quanto aos grupos musicais, antes de alcançar projeção nacional por meio das grandes
gravadoras e dos veículos de comunicação de massas, grande parte desses jovens e de suas
embrionárias bandas tiveram reconhecimento junto a um público restrito, em um circuito ou
cena alternativa, isto é, casas noturnas ou danceterias e festivais onde bandas anônimas de rock
– influenciadas especialmente por bandas punks, como Ramones, The Clash e Sex Pistols, e
pós-punks ou
new wave
como The Police, The Cure, The Smiths etc. – se apresentavam e que
se espalhou por todo o país.
Locais como o Madame Satã, Napalm, Carbono 14 e Rose Bom Bom em São Paulo, e
o Circo-Voador e o Noites Cariocas, no Rio de Janeiro, foram espaços que se tornaram célebres
por abrigar bandas hoje renomadas, mas que eram, então, totalmente desconhecidas, como a
Blitz, os Paralamas do Sucesso, a Legião Urbana, o Capital Inicial, Ira!, Titãs, Ultraje a Rigor,
RPM, Kid Abelha etc. (MAGI, 2011; ALEXANDRE, 2013; DAPIEVE, 2015; PAIVA, 2016;
ROSA, 2021).
Após o inesperado e avassalador sucesso da banda Blitz, com o single de
Você não
soube me amar
, que atingiu em poucos meses a marca de 1 milhão de cópias vendidas,
tornando-se um “fenômeno de mídia como o país ainda não havia conhecido” (DAPIEVE,
2015, p. 61), as grandes gravadoras passaram a enviar “olheiros” para as casas noturnas citadas
acima, buscando encontrar novos grupos para produzir e lançar ao mercado. Assim, muitos
grupos musicais, mesmo os que não conseguiram se estabelecer comercial e artisticamente,
foram “descobertos” pelas gravadoras e passaram a desenvolver suas carreiras de forma
profissional, amparados por empresários e produtores, fazendo turnês por todo o país.
Nesse momento, um número cada vez maior de estações de rádio passou a tocar músicas
produzidas por esses grupos e, em um curto espaço de tempo, alguns desses jovens passariam
a ocupar as mais poderosas instâncias de difusão e consagração da indústria cultural brasileira:
além das rádios já citadas, revistas e jornais de circulação nacional e as telenovelas e programas
televisivos, sobretudo os da Rede Globo.
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A distinção da elite do rock: perfil social dos agentes do rock
mainstream
nacional
2
Nesta seção iremos pormenorizar as origens e trajetórias sociais dos principais
compositores de seis importantes bandas do rock nacional, as quais concedemos destaque em
nossa dissertação. Selecionamos, dessa forma, duas das principais bandas surgidas nos anos
1980 no Rio de Janeiro (Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso), em São Paulo (Titãs e
Ultraje a Rigor) e em Brasília (Legião Urbana e Capital Inicial), conforme a bibliografia
estudada (MAGI, 2011; DAPIEVE, 2015; ALONSO, 2015; ALEXANDRE, 2016;
SEVILLANO, 2019) e a crítica cultural especializada.
As bandas citadas compartilham, em maior ou menor grau, o sucesso comercial nos anos
1980 e também contemporaneamente, o reconhecimento perante a crítica cultural e canções
consideradas politizadas.
Quanto às trajetórias e perfis sociais de nossa amostra inicial de músicos, vê-se com
Bourdieu, que um dos elementos fundamentais para se objetivar a posição social de origem de
determinado agente é a profissão dos pais, sobretudo do pai, visto que no texto
As contradições
da herança
, do livro
A miséria do mundo
(1993), Bourdieu mostra o papel da família na
transmissão da herança cultural, com destaque para o pai, que segundo ele, seria o maior
responsável por transmitir uma herança ao herdeiro.
Nesse sentido, os líderes e compositores do grupo carioca
Barão Vermelho
, Roberto
Frejat (Guitarra) e Cazuza (vocal), são filhos, respectivamente, de José Frejat, um político que
desenvolveu sua carreira a partir do Rio de Janeiro, chegando a ser eleito e reeleito deputado
federal em 1978 e 1982, e João Araújo, produtor musical e executivo da indústria fonográfica.
João Araújo ficou conhecido por ser o responsável pela contratação de Gal Costa, Jorge Ben
Jor e Caetano Veloso para a gravadora Phillips em meados da década de 1960. Em 1969, a
pedido de Roberto Marinho, fundou a gravadora Som Livre, pertencente às Organizações
Globo, tornando-se seu presidente desde a fundação até o ano de 2005, quando se aposentou.
O pai de Sérgio Britto, tecladista, vocalista e compositor dos Titãs, Almino Monteiro
Alves Afonso, foi eleito deputado federal pelo Amazonas em 1958, e reeleito em 1962.
Assumiu o posto de ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo de João Goulart
em 1963. Após exílio forçado no Chile, volta ao Brasil em 1976; elegeu-se vice-governador de
São Paulo na chapa de Orestes Quércia, no pleito de 1986.
2
Os dados apresentados nesta seção, além de constarem em nossa dissertação, foram expostos em maiores detalhes
no artigo
O rock brasileiro dos anos 1980: qual o perfil social dos roqueiros incorporados pela indústria da
música?
(Revista Sinais, UFES, V. 1, N. 24, 2020).
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Nando Reis (vocalista, baixista e compositor dos
Titãs
), é filho do engenheiro José
Carlos Galvão Gomes dos Reis, herdeiro de uma tradicional família de proprietários rurais. O
avô de Nando Reis, o agrônomo José Cassiano Gomes dos Reis, foi um importante produtor de
laticínios e proprietário de uma grande fazenda de café (Frei Galvão) no interior de São Paulo.
Bi Ribeiro, baixista, fundador e compositor dos
Paralamas do Sucesso
, é filho do
diplomata e embaixador Jorge Carlos Ribeiro. Em 1973, Jorge Carlos Ribeiro assumiu a chefia
do Cerimonial da Presidência da República, no então governo de Emílio Garrastazu Médici;
em 1981, foi nomeado embaixador em Santiago do Chile.
Dado Villa-Lobos, guitarrista, fundador e compositor da
Legião Urbana,
é sobrinho-
neto do compositor Heitor Villa-Lobos e filho do diplomata Jayme Villa-Lobos.
O vocalista e compositor do grupo
Capital Inicial
Dinho Ouro-Preto, é bisneto de
Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto, magistrado e político, que ocupou
durante o Império os cargos de ministro da Marinha (1865), ministro da Fazenda (1879 e 1889)
e foi o último presidente do Conselho de Ministros do imperador Pedro II. Dinho Ouro-Preto é
neto do diplomata Carlos Celso de Ouro Preto, embaixador no Chile (1946-1950) e França
(1950-1953) e filho do diplomata Afonso Celso de Ouro Preto, embaixador em Bissau (1983-
1987), Estocolmo (1990-1993), Viena (1995-1999) e Pequim (1999-2003).
O pai de Herbert Vianna (vocalista, guitarrista e compositor dos Paralamas do Sucesso),
Hermano Vianna, foi militar, brigadeiro da Aeronáutica, e responsável pelos voos da
presidência da república durante os governos de Ernesto Geisel e de João Figueiredo.
Renato Russo, da
Legião Urbana
, é filho do economista Renato Manfredini, funcionário
público de carreira do Banco do Brasil, que chegou a ocupar o cargo de assessor da presidência
deste banco.
O pai dos irmãos Felipe e Flávio Lemos, respectivamente baterista e baixista do Capital
Inicial, Antônio Agenor Briquet de Lemos, era professor de Biblioteconomia na UNB. Briquet
Lemos dirigiu o Centro de Documentação do Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e a Editora Universidade de Brasília.
Outros expoentes do Rock Brasil eram também filhos de professores universitários de
instituições de renome, como Tony Bellotto, fundador, guitarrista e compositor dos Titãs. Ele
é filho de Manoel Lelo Bellotto, que foi professor titular de História na Universidade Estadual
Paulista (UNESP), sendo diretor da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, de 1964 a 1985.
Arnaldo Antunes, fundador, vocalista e compositor dos Titãs, é filho do engenheiro e
professor aposentado pela Escola Politécnica da USP, Arnaldo Augusto Nora Antunes.
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Outro quesito importante na sociologia de Bourdieu, diz respeito à educação formal
recebida pelos agentes. A trajetória educacional dos indivíduos, formação básica, superior e as
instituições nas quais estudaram, são constitutivas – embora não exclusivamente – daquilo que
Bourdieu intitulou capital cultural legítimo.
Conforme demonstram os dados, os roqueiros da geração de 1980, estudaram, em sua
maioria, em colégios particulares e de renome, tal como Cazuza que estudou dos 5 anos até a
conclusão do antigo ginásio, no tradicional colégio católico carioca Santo Inácio, por onde
passaram, também: Vinícius de Moraes, Armínio Fraga, Pedro Malan, Eduardo Viveiros de
Castro, Luís Gastão de Orléans e Bragança, dentre outros nomes de evidência dos mais variados
campos da sociedade brasileira. Seu companheiro de banda, Roberto Frejat, estudou no colégio
Andrews, também um dos mais renomados e caros da capital fluminense.
Em Brasília, Renato Russo estudou no colégio Marista, uma escola privada, católica e
de tradição, onde estudavam muitos filhos de políticos (deputados, ministros etc.). Também
estudaram no colégio Marista brasiliense o companheiro de banda de Renato, Dado Villa-
Lobos, e Dinho Ouro-Preto.
Ainda com relação à formação educacional básica, é significativo o caso do grupo
Paulista Titãs. Com exceção do guitarrista Tony Bellotto, os outros membros da formação
original da banda se conheceram e começaram a tocar juntos nas dependências da escola onde
estudavam, o colégio paulistano Equipe, que se tornou referência por desenvolver um forte
trabalho de arte-educação, valorizando e incentivando as atividades artísticas no interior do
colégio.
Quanto aos estudos superiores, é interessante notar que muitos dos músicos aqui
observados ingressaram em universidades, contudo, em função desse período ter coincidido
com o momento em que começaram a se profissionalizar com suas bandas, acabaram por
abandonar os cursos.
Os dados apontam que os integrantes das bandas analisadas cursaram: arquitetura, como
Tony Bellotto (UNISANTOS), Herbert Vianna (UFRJ) e Roger Moreira (Mackenzie),
jornalismo, como Renato Russo (UNICEUB) e Paulo Ricardo (USP), letras (Arnaldo Antunes
– USP), matemática (Nando Reis – UFSCAR), artes plásticas e filosofia (Sérgio Britto – FAAP
e USP), zootecnia (Bi Ribeiro – UFRRJ), fotografia (Cazuza – Berkeley), geografia (Roberto
Frejat – UFRJ), ciências sociais (Dado Villa-Lobos – UNB), psicologia (Fê Lemos – UNB) e
física (Flávio Lemos – UNB).
A circulação internacional (anterior à carreira artística) – viagens e períodos morando
no exterior – foi também um traço definidor dessa geração. Além dos filhos de diplomatas,
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como Dinho Ouro-Preto e Dado Villa-Lobos, que moraram em diversos países durante sua
infância e adolescência, temos registros de outros roqueiros brasileiros que puderam usufruir
dessa oportunidade e incorporar capitais, como o domínio de um idioma estrangeiro e a
proximidade com a produção artística de outros países.
Nesse sentido, Renato Russo mudou-se do Rio de Janeiro para Nova York em 1968,
quando contava oito anos de idade, em razão de uma bolsa de estudos de seu pai, morando por
dois anos naquela localidade.
Roger Moreira morou por um ano e meio, entre 1979 e 1980, em São Francisco, cidade
estadunidense no estado da Califórnia ligada ao rock, assim como Cazuza, que cursou fotografia
na universidade de Berkeley durante sete meses no ano de 1979.
Felipe e Flávio Lemos, do Capital Inicial, por ocasião de uma bolsa de mestrado obtida
por seu pai em 1977, mudaram-se para Inglaterra. Os irmãos Lemos chegaram em território
britânico no auge do movimento punk, o que acabou por exercer grande influência em suas
trajetórias artísticas.
Sérgio Britto, em contexto distinto dos outros roqueiros, morou dos cinco aos catorze
anos de idade no Chile, por conta do exílio de seu pai, obrigado a se retirar do país após o golpe
de 1964.
Os dados coletados em nossa pesquisa demonstram que os agentes selecionados para
este estudo possuem origens, trajetórias e capitais simbólicos bastante semelhantes, com
destaque para o fato de seus pais fazerem parte da alta burocracia estatal.
A aparição dos undergrounds: o rock da periferia e sua circulação restrita
Um dos primeiros grupos musicais com a temática punk de que se tem registro no Brasil
é a
banda Restos de Nada,
criada em 1978, por Clemente Nascimento, na Vila Carolina, Zona
Norte de São Paulo (PAIVA, 2016; ALEXANDRE, 2013). A banda dividiu-se poucos anos
depois e Clemente fundou no ano de 1981, a banda
Inocentes
.
Em 1979 é formada o
Cólera
, pelos irmãos Pierre e Redson Pozzi. Moradores do Capão
Redondo, “região barra pesada da zona sul”, o irmão mais velho, Redson, havia estudado até a
oitava série e trabalhava como office boy em um escritório de advocacia no Centro da cidade
(ALEXANDRE, 2013, p. 63). Durante seus primeiros meses de formação, a banda
Cólera
tinha
como instrumentos musicais um violão e um sofá exercendo a função de bateria improvisada.
A banda
Ratos de Porão
, igualmente um ícone do movimento
punk
paulista, foi formada
no final de 1981, em um barracão na Vila Piauí, por João Carlos Molina Esteves, o Jão
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(guitarra/vocal), seu primo Roberto Massetti, o Betinho (bateria), e por Jarbas Alves, o Jabá
(baixo). Em 1983, aos dezoito anos, João Francisco Benedan, o famoso João Gordo, passaria a
integrar a banda como vocalista e compositor. João Gordo viveu a infância e a juventude em
um bairro operário de São Paulo, a Vila Gustavo, e era filho de um sargento da polícia militar,
a quem descreve como ausente e violento. O fundador, Jão, fez curso técnico no SENAI e
trabalhava como ajudante em uma oficina de motos. Registre-se, ainda, que o baixista do grupo,
Jabá, teve uma passagem pela antiga FEBEM, por assalto a mão armada.
Em princípios da década, as bandas punks de São Paulo passaram a lotar shows no
subúrbio e a organizar festivais, como o que aconteceu em 1981, no teatro da PUC, onde se
apresentaram somente bandas desse estilo, reunindo cerca de 600 pessoas (ALEXANDRE,
2013; PAIVA, 2016).
No ano seguinte, têm-se a gravação e o lançamento da coletânea
Grito Suburbano,
um
LP que compilava gravações de três bandas –
Olho Seco, Inocentes e Cólera
– sendo a primeira
vez que essas bandas registraram sua música em um disco, o primeiro lançamento
exclusivamente do gênero no país. A estratégia de produzir, em gravadoras independentes ou
alugadas, na forma de coletâneas com diversas bandas em um mesmo disco, foi bastante
utilizada pelos músicos
punks
paulistas naquele momento.
Em 1983, houve o lançamento da coletânea SUB, um disco gravado e distribuído pelo
selo independente Estúdios Vermelhos, criado por Redson Pozzi. Para a gravação deste LP, os
músicos das bandas se juntaram em um consórcio para o financiamento da gravação. O disco
contava com vinte e quatro músicas distribuídas entre quatro bandas – Cólera, Psikóse, Fogo
Cruzado e Ratos de Porão.
Entre os anos de 1983 e 1986, com a consolidação do estilo
punk/new wave
entre a
juventude paulistana, tanto da periferia, quanto da classe média, tem-se o auge de casas noturnas
que passaram a ser identificadas com esse estilo musical, tais como Madame Satã, Napalm,
Carbono 14 e Rose Bom Bom, as mesmas casas onde passaram a tocar os agentes que
alcançariam o
mainstream.
Portanto, temos aqui um cruzamento de trajetórias entre as bandas que alcançaram as
posições dominantes no espaço do rock e as bandas que ficaram restritas à chamada cena
underground, pois passaram a compartilhar os mesmos palcos.
Devido à escassez de dados públicos sobre os integrantes das bandas
underground
, não
foi possível desenhar a trajetória de cada membro das bandas por nós selecionadas (Ratos do
Porão, Inocentes, Cólera). Para suprir essa lacuna, apresentaremos a trajetória de Clemente
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Nascimento e de sua banda
, Inocentes,
como síntese do percurso das bandas de punk rock
paulista. Dentre as bandas punks é a que mais se aproximou do
mainstream
.
Assim, a seguir, veremos o percurso pessoal e artístico de Clemente Nascimento, “um
garoto negro, filho de uma empregada com um baiano, que se criou na Zona Norte de São
Paulo, zona de gangues” (PAIVA, 2016, p. 29).
Clemente e sua banda: trajetória representativa dos
undergrounds
Clemente Nascimento nasceu no Bairro do Limão, em São Paulo, em 1963, de origem
negra, é filho de um baiano, que veio tentar a vida em São Paulo como vendedor ambulante e
de uma paulista, do interior, que foi para a capital tentar a vida como empregada doméstica; seu
pai não concluiu o primário e sua mãe terminou o primário no antigo MOBRAL (PAIVA,
2016).
Por volta dos dezesseis anos, em 1978, quando estudava na Escola Estadual Tarcísio
Lobo e trabalhava como office-boy, Clemente fundou junto com amigos uma das primeiras
bandas punk do país, a Restos de Nada.
Em 1981, após deixar sua primeira banda, Clemente criou juntamente com o guitarrista
Antônio Carlos Callegari, com o baterista Marcelino Gonzales e com o vocalista Maurício, a
banda Inocentes.
Os Inocentes passaram a fazer diversas apresentações em festas e salões pela zona norte,
sendo bastante presentes na cena musical paulistana. Foram uma das três bandas que participou
do LP Grito Suburbano, o primeiro lançamento do gênero no país.
Os Inocentes tiveram destacada participação no documentário
Garotos do Subúrbio
,
dirigido por Fernando Meirelles, e exibido no MASP em 1982, e no curta
Pânico em SP
,
dirigido por Mário Dalcêndio Jr. No fim do mesmo ano, participam do festival
O Começo do
Fim do Mundo
, no SESC Pompéia, em São Paulo.
Em 1983, tocaram com outras seis bandas punks paulista e com os Paralamas do Sucesso
na famosa casa de shows carioca Circo Voador. No mesmo ano, lançam o seu primeiro
compacto,
Miséria e Fome
, autofinanciado pela banda, e lançado pelo selo Punk Rock Discos.
Durante esse período, a banda passou a se apresentar, com retorno bastante positivo do
público, nas famosas casas de shows que citamos neste artigo, onde tocavam também os
roqueiros que viriam a fazer parte do
mainstream
. Com a popularização do gênero pelo Brasil,
os Inocentes se tornaram um dos principais expoentes do estilo, ganhando projeção nacional.
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Entre o mainstream e o underground: Origens, trajetórias e capitais nos dois polos do rock brasileiro dos anos 1980
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
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Entre 1983 e 1984, Clemente e os Inocentes passaram a se apresentar no programa
Fábrica do Som, gravado no SESC Pompéia, e exibido na TV Cultura, ao lado de Capital Inicial,
Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso e Titãs, sendo a primeira vez que essas bandas se
apresentavam em um programa de televisão (PAIVA, 2016).
No ano de 1985, a banda fez a apresentação de abertura de um histórico show da Legião
Urbana no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e passaram a se aproximar artística e pessoalmente
de bandas paulistas como Ultraje a Rigor e Titãs.
Nesse momento, diversas bandas que tocavam nas casas noturnas paulistanas estavam
sendo contratadas e lançando discos por grandes gravadoras. Dentro daquele contexto de
expansão do rock nacional, e do aumento de oportunidades para divulgar o trabalho, além da
possibilidade de assinar com uma grande gravadora, Clemente e os demais músicos decidiram
dedicar-se em tempo integral à carreira artística, abandonando seus empregos.
Por volta de 1986, a partir da atuação de Branco Mello, dos Titãs, os Inocentes
conseguiram assinar com a multinacional Warner, tornando-se a única banda, dessa leva de
dezenas de bandas surgidas nos bairros periféricos de São Paulo, a ser contratado por uma
grande gravadora (PAIVA, 2016); posteriormente, em 1988, a banda Garotos Podres, de Mauá,
lançou um álbum pela gravadora
Continental.
O Lançamento oficial do LP
Pânico em SP
, comercializado pela Warner, foi feito em
S.Paulo, no Madame Satã, e no Rio de Janeiro, no Circo Voador. Excursionaram pelo Brasil,
tocaram em programas da Rede Globo e outras redes de televisão, além de terem sido elogiados
pela crítica musical da época. A vendagem do disco, no entanto, foi de cerca de 30 mil cópias.
A banda lançou mais dois álbuns pela Warner durante a década de 1980,
Adeus Carne
(1987) e
Inocentes
(1989), mas foram dispensados no início da década de 1990 após as baixas
vendagens dos referidos discos.
Nesse contexto, Clemente reflete que “a essa altura já tinha estourado o Legião, o Titãs,
já tinha estourado todo o rock mais pesado, todo mundo. A gente conseguiu fazer umas coisas
legais, mas não estourou” (PAIVA, 2016, p.186).
Diante da dispensa da gravadora, Clemente voltou a trabalhar, em 1990, na venda de
guarda-chuva, na praça da Sé, com seu pai.
A trajetória de Clemente e os Inocentes é bastante representativa dos demais grupos aqui
apresentados, todos eles foram expoentes da cena alternativa paulista e nacional, além de
precursores do rock brasileiro dos anos 1980, no entanto, esses agentes não lograram, sequer,
viver profissionalmente e exclusivamente de suas carreiras musicais.
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Tiago Barros ROSA
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Dito de outra forma, apesar de formadas a partir das mesmas influências musicais dos
agentes
mainstream
, de possuírem um estilo ou “som” semelhante (no início da carreira) e de
terem os temas das letras (músicas críticas, de protesto) bastante próximos deste primeiro grupo,
não conseguiram estabelecer-se para além de uma cena musical bastante restrita, alternativa ou
underground
.
Apontamentos acerca da captura dos roqueiros pela indústria fonográfica dos anos 1980
A comparação entre as trajetórias dos integrantes do
mainstream
e do underground
fornece elementos para entender quem é o roqueiro recrutado pela indústria da música nos anos
1980. A objetivação dos principais capitais detidos pelos roqueiros
mainstream
indica haver
relação entre trajetórias e os capitais possuídos e a assimilação pela indústria do rock.
No que se refere ao capital econômico, podemos indicar uma clara vantagem
competitiva para os jovens do
mainstream
; por exemplo, o acesso à produção musical (discos)
e editorial (biografias, revistas, jornais) estrangeira acerca das bandas do pop/rock que emergia
nos Estados Unidos e Inglaterra; bem como o acesso aos instrumentos musicais e equipamentos,
já que, naquele momento, não eram só os custos impeditivos para que a maior parte da
população pudesse adquirir esses produtos, havia também uma série de restrições à importação
vigorando no Brasil.
No caso, principalmente, dos jovens egressos de Brasília, essas restrições eram
contornadas graças ao grande fluxo de viagens para o exterior desses agentes, de parentes ou
amigos, quando discos, suvenires, revistas, livros e equipamentos musicais podiam chegar em
suas bagagens pessoais ou driblar a alfândega no retorno de viagens oficiais. Herbert Vianna,
por exemplo, ganhou uma guitarra da marca Gibson (uma das mais conhecidas do mundo) aos
catorze anos, trazida por seu pai (piloto do avião presidencial), dos Estados Unidos, sendo esse
tipo de instrumento bastante raro no país nos anos 1970.
Em contraposição, os agentes do underground sempre relataram dificuldades para a
aquisição de instrumentos e equipamentos (microfones, amplificadores, caixas de som etc.),
estando obrigados a improvisar e emprestar os artigos necessários de outras bandas.
A mesma lógica se impõe no que se refere aos discos e publicações que cobriam o
universo do pop/punk/new-wave da época, sendo o acesso e as condições financeiras para
adquirir esses artigos importados muito mais comum nos agentes do
mainstream
, o que
forneceu aos primeiros uma perspectiva bem mais abrangente sobre “o estado da arte” do rock
internacional, dotando-os de capital cultural atualizado sobre este tema.
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Um caso paradigmático de acúmulo de capital cultural é o de Renato Russo, sempre
lembrado em entrevistas dadas pelos músicos de Brasília pelos seus conhecimentos
enciclopédicos a respeito de uma infinidade de bandas, estilos, sonoridades, biografias de
artistas e tudo o mais que se refira ao âmbito da cultura pop/rock existente até então, e mesmo
da literatura, poesia e filosofia clássicas, representadas em autores como Arthur Rimbaud,
Manuel Bandeira, Thomas Mann, Camões, Shakespeare, Baudelaire, Carlos Drummond de
Andrade, Proust (aos quais faz referências diretas ou indiretas em suas canções).
Como é visto em Bourdieu (2006, p.10), a familiaridade com a cultura legítima – a
cultura legitimada, dominante – traz ganhos na vida escolar, no campo universitário e no
mercado de trabalho, favorecendo aqueles que em tenra infância tiveram acesso a essa cultura
legítima, “como uma experiência direta”, um “simples deleite”, a princípio, “fora das
disciplinas escolares”, marcadas como “pedantes”. Assim, “a aquisição da cultura legítima pela
familiarização insensível no âmago da família tende a favorecer uma experiência encantada da
cultura”.
A esse respeito, temos o depoimento de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, no livro Só as
mães são felizes (2014): “desde pequenininho, meu filho teve sua atenção naturalmente
desperta para o mundo da música. Para Cazuza, aconteceu ainda de conhecer de perto os artistas
que frequentavam nossa casa [...]”.
Quanto ao capital social dos artistas consagrados, este pode ser mensurado, entre outras
formas, por meio da posição e profissão de seus pais, muitos dos quais, encontravam-se no auge
de suas carreiras no momento em que seus filhos ingressaram nas maiores empresas do setor
fonográfico nacional, conforme demonstramos em seção anterior.
Dando prosseguimento às nossas considerações, apontaremos os aspectos referentes à
construção da subjetividade e das “propriedades corporais” dos músicos aos quais fazemos
referência – a partir das suas condições materiais e do seu
habitus
de classe – que em nossa
perspectiva igualmente contribuíram para o triunfo comercial e simbólico de alguns desses
agentes.
Assim, com grande probabilidade, no seu modo de ser (para os outros e para si), os
agentes pertencentes à classe dominante possuem a segurança de estarem ajustados aos padrões
demandados na maioria dos espaços sociais, e carregam o conjunto dos traços que compõe a
“distinção burguesa”: postura, charme, desembaraço, dicção, pronúncia etc. – que são
assimilados ou incorporados durante a socialização primária no interior da família, sendo
características pessoais não ensinadas pelo sistema escolar, mas reconhecidas e recompensadas
sutilmente no interior desta (BOURDIEU, 2006).
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Tiago Barros ROSA
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Desse modo, a naturalidade, a autoconfiança, o encanto e o carisma que designam os
indivíduos
distintos
– ou, podemos pensar, o artista “verdadeiro”, dotado de um talento
“natural” – decorrem também dessa “liberdade em relação às obrigações que dominam as
pessoas comuns”, constituindo-se em uma “indiscutível confirmação do capital como
capacidade para satisfazer as exigências sociais ou a autoridade que autoriza a ignorá-las”
(BOURDIEU, 2006, p. 238).
Quanto às propriedades corporais, vê-se que “o corpo é a objetivação mais irrecusável”
da classe social. É a “cultura tornada natureza [pessoal], ou seja, incorporada, classe feita
corpo” (BOURDIEU, 2006, p. 179).
Assim, os integrantes do
mainstream
, detentores das propriedades corporais e dos traços
e emblemas pessoais em conformidade com os parâmetros vigentes e dominantes na sociedade
brasileira, puderam extrair vantagens da posse desse capital simbólico. Muitos desses artistas
eram, inclusive, considerados esteticamente belos,
sex symbols
, arregimentando um público
feminino expressivo e estampando capas de jornais e programas televisivos dedicados a esse
público.
Portanto,
As disposições, ou seja, o conjunto das propriedades incorporadas, inclusive
a elegância, a naturalidade ou mesmo a beleza, e o capital sob suas diversas
formas, econômica, cultural, social, constituem trunfos que vão comandar a
maneira de jogar e o sucesso no jogo (BOURDIEU, 2010, p. 24).
Em suma, vemos em
As Regras da Arte
(2010) que:
Os "herdeiros" detém uma vantagem decisiva quando se trata de arte pura: o
capital econômico herdado, que liberta das sujeições e das urgências da
demanda imediata, e dá a possibilidade de "resistir" na ausência de mercado,
é um dos fatores mais importantes do êxito diferencial dos empreendimentos
de vanguarda. [...] E ainda, é o dinheiro (herdado) que assegura a liberdade
em relação ao dinheiro. Tanto mais que, ao dar certezas, garantias, redes de
proteção, a fortuna confere a audácia para qual sorri a fortuna – em matéria de
arte mais, sem dúvida, que em qualquer outra coisa.
Ao encaminharmo-nos para o final desta seção, cabem algumas reflexões acerca da
consagração comercial e simbólica sob o prisma dos artistas que não conseguiram obtê-la, ou
seja, no presente caso, dos artistas que não fizeram sucesso e passaram a receber o rótulo de
underground
. Assim, segundo Bourdieu:
O não-sucesso é em si ambíguo, já que pode ser percebido seja como
escolhido, seja como sofrido, e que os indícios do reconhecimento dos pares,
que separa os "artistas malditos" dos "artistas frustrados", são sempre incertos
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e ambíguos, tanto para os observadores como para os próprios artistas
(BOURDIEU, 2010, p. 248).
Nesse sentido, tem-se que a construção narrativa que adotam alguns desses músicos,
jornalistas culturais e, principalmente, os admiradores dessas bandas, desenvolve-se no sentido
de justificar a não consagração comercial como uma escolha consciente, fruto da recusa em
aceitar os ditames do mercado, ou seja, eles teriam sido excluídos do espaço denominado
mainstream
pois não se “curvaram”, não se “venderam ao sistema”, permanecendo fiéis aos
seus valores ideológicos, políticos e artísticos.
Os pintores sem clientela, os atores sem papeis, os escritores sem publicações
ou sem público podem dissimular seu malogro servindo-se da ambiguidade
dos critérios do sucesso que permite confundir o fracasso eletivo e provisório
do "artista maldito" com o fracasso sem rodeios do "frustrado" (BOURDIEU,
2010, p. 248).
Dessa forma, é proposto que as bandas que citamos como pertencentes ao
underground
podem ocupar essa posição ambígua sobre a qual se refere Bourdieu, como a de “artista
maldito”, sendo este paralelo, em nossa ótica, bastante pertinente no contexto que estamos
evidenciando.
Por fim, é relevante assinalar, que salvo raríssimas exceções, a indústria da música
brasileira dos anos 1980, no quesito pop/rock, excluiu ou restringiu a participação de mulheres
e de pessoas negras, conforme apontamos em maiores detalhes em nossa dissertação.
Considerações finais
O artigo buscou demonstrar que os mais célebres agentes do rock brasileiro dos anos
1980 constituíam um agrupamento bastante homogêneo – e
distinto
– de indivíduos. Detentores
de marcadores simbólicos ditos legítimos, essa geração foi formada por jovens do sexo
masculino, brancos, nascidos no sudeste do país ou exterior, com circulação internacional,
oriundos de famílias com alto capital econômico, cultural e social, sendo filhos de políticos de
expressão nacional, diplomatas, professores universitários e executivos do alto escalão de
empresas públicas e privadas. Portanto, eram provindos de um grupo com
poder simbólico
significativo, uma classe dominante, nos termos de Bourdieu.
Como se viu, tal perfil social se contrapunha às características individual-coletiva dos
integrantes das bandas surgidas no interior do movimento punk na cidade de São Paulo e
adjacências – constituída por jovens da mesma faixa etária, moradores de bairros operários e
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Rev. Sem Aspas
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Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
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periféricos paulistanos, que trabalhavam e possuíam, muitas vezes, baixa escolaridade –
ficando, estes, restritos a uma cena musical dita alternativa ou
underground
.
O estudo empreendido permitiu objetivar a construção social do talento e do sucesso
desses jovens, os quais foram proporcionados, em grande medida, pelas disposições e capitais
incorporados que dispunham, sendo que estes estavam em orquestração com as exigências
implícitas da indústria fonográfica da época.
Propomos, dessa forma, neste artigo, a partir principalmente dos apontamentos
presentes em
A Distinção
(BOURDIEU, 2006) e
As Regras da Art
e (BOURDIEU, 2010), que
houve uma homologia entre as posições originalmente ocupadas por esses jovens na hierarquia
social e as posições ocupadas no campo musical, isto é, a estratificação existente no campo
artístico refletiu ou reproduziu a estratificação das classes e frações de classe social à qual
pertenciam esses músicos originalmente.
AGRADECIMENTOS
: CAPES.
REFERÊNCIAS
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Dias de luta
: O rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: Arquipélago
Editorial. 2013.
BOURDIEU, P.
La misère de monde
. Paris: Seuil. 1993.
BOURDIEU, P.
A distinção
: Crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk. 2006.
BOURDIEU, P.
As regras da arte
. São Paulo: Companhia das Letras. 2010.
DAPIEVE, A.
Brock
: O rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 2015.
JARDIM, M.; ROSA, T. O rock brasileiro dos anos 1980: qual o perfil social dos roqueiros
incorporados pela indústria da música?
Revista Sinais
, Vitória, v. 1, n. 24, jan./jul. 2020.
MAGI, E.
Rock and roll é o nosso trabalho
: A Legião Urbana do underground ao
mainstream
.
2011. 147 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências,
Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, 2011.
PAIVA, M.
Meninos em fúria
: E o som que mudou a música para sempre. Rio de Janeiro:
Alfaguara, 2016.
ROSA, T.
A elite do Rock
: Poder simbólico e distinção no mainstream do rock brasileiro dos
anos 1980
.
2021
.
125 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, 2021.
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Entre o mainstream e o underground: Origens, trajetórias e capitais nos dois polos do rock brasileiro dos anos 1980
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do rock brasileiro dos anos 1980.
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e-ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
Submetido em
: 10/08/2022
Revisões requeridas
em
: 18/09/2022
Aprovado em
: 22/11/2022
Publicado em
: 26/12/2022
Processamento e edição: Editora Ibero-Americana de Educação.
Correção, formatação, normalização e tradução.
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Between mainstream and underground: Origins, trajectories and capitals in the two poles of Brazilian rock in the 1980s
Rev. Sem Aspas
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BETWEEN MAINSTREAM AND UNDERGROUND: ORIGINS, TRAJECTORIES
AND CAPITALS IN THE TWO POLES OF BRAZILIAN ROCK IN THE 1980s
ENTRE O MAINSTREAM E O UNDERGROUND: ORIGENS, TRAJETÓRIAS E
CAPITAIS NOS DOIS POLOS DO ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 1980
ENTRE MAINSTREAM Y UNDERGROUND: ORÍGENES, TRAYECTORIAS Y
CAPITALES EN LOS DOS POLOS DEL ROCK BRASILEÑO EN LA DÉCADA DE 1980
Tiago Barros ROSA
1
ABSTRACT
: This is a comparative study between two strands of Brazilian rock in the 1980s,
the mainstream and the underground, undertaken through the study of the individual and
collective trajectory of Brazilian rockers of the period, in dialogue with Pierre Bourdieu's
concepts, seeking to identify the capitals held by rock exponents who received the preference
of the music industry of the period (mainstream), compared to a second group, which was on
the fringes of the music industry (underground). The research points out that the different
capitals (social, cultural and economic) held by the first group facilitated their recruitment by
the music industry, catapulting them to commercial success and musical consecration, to the
detriment of the second group, which did not have the same material and symbolic assets.
KEYWORDS
: Brazilian rock. Trajectory. Capitals. Distinction. Music industry.
RESUMO
: Trata-se de um estudo comparativo entre dois polos do rock brasileiro dos anos
1980 – o mainstream e o underground –, empreendido por meio do estudo da trajetória
individual e coletiva dos roqueiros brasileiros do período, em diálogo com conceitos de Pierre
Bourdieu, buscando identificar os capitais detidos pelos expoentes do rock que receberam a
preferência da indústria fonográfica do período, em comparação com um segundo grupo, que
ficou à margem da indústria da música. A pesquisa aponta que os distintos capitais (social,
cultural e econômico) detidos pelo primeiro grupo foram condicionantes importantes para o
recrutamento destes pela indústria da música, catapultando-os para o sucesso comercial e a
consagração artística, em detrimento do segundo grupo, que não dispunha dos mesmos trunfos
materiais e simbólicos.
PALAVRAS-CHAVE
: Rock brasileiro. Trajetória. Capitais. Distinção. Indústria fonográfica.
1
São Paulo State University (UNESP), Araraquara – São Paulo – Brazil. Doctoral student in the Social Sciences.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1982-4555. E-mail: tiago.barros@unesp.br
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RESUMEN
:
Se trata de un estudio comparativo entre dos vertientes del rock brasileño de la
década de 1980, el mainstream y el underground, realizado a través del estudio de la
trayectoria individual y colectiva de los rockeros brasileños de la época, en diálogo con los
conceptos de Pierre Bourdieu, buscando identificar los capitales en manos de exponentes del
rock que recibieron la preferencia de la industria musical de la época (mainstream), frente a
un segundo grupo, que se encontraba al margen de la industria musical (underground). La
investigación señala que los diferentes capitales (social, cultural y económico) que ostentaba
el primer grupo facilitaron su captación por la industria musical, catapultándolos al éxito
comercial y la consagración musical, en detrimento del segundo grupo, que no contó con la
mismos bienes materiales y simbólicos.
PALABRAS CLAVE:
Rock brasileño. Trayectoria. Capitales. Distinción. Industria de la
musica.
Introduction
The objective of this article – based on our master's thesis (ROSA, 2021) – is to identify
the capital held by agents recruited by the phonographic industry in the 1980s in Brazil and
considered, even today, as some of the greatest representatives of Brazilian rock in all times,
that is, we are referring mainly to the main composers of bands such as
Barão
Vermelho
(Roberto Frejat and Cazuza),
Paralamas
do
Sucesso
(Herbert Viana and Bi Ribeiro),
Legião
Urbana
(Renato Russo and Dado Villa-Lobos),
Capital
Inicial
(Dinho Ouro-Preto and his
brothers Fê and Flávio Lemos),
Titãs
(Sérgio Britto, Arnaldo Antunes, Nando Reis and Tony
Belloto) and
Ultraje a Rigor
(Roger Moreira), whom we are calling mainstream, comparing
them to a group of rockers who gained little or no attention from the same industry, despite
having legitimacy in the so-called alternative scene and being active until today with their
bands, such as the groups
Ratos de Porão, Cólera and Inocentes
.
Our research suggests that the capital (social, cultural and economic) held by the first
group facilitated their recruitment by the main recording companies in the market; to the
detriment of the second group, which did not have the same symbolic and material assets.
Based on a prosopographical study, that is, a study of the collective biography of these
prominent figures of Brazilian Rock in the 1980s, we saw that these agents formed two very
distinct social groupings (being homogeneous in terms of the social profile within each of
them). In the case of agents belonging to the mainstream, the research indicates that they were
men, young, white, from the Rio-São Paulo axis, heirs of families with a high degree of social,
cultural and economic capital, with international circulation even before the beginning of their
careers.
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This social profile was opposed to the individual-collective characteristics of the
members of the most representative bands that emerged within the punk movement in the city
of São Paulo and ABC Paulista, which were formed by young people living in working-class
and peripheral neighborhoods of these cities, mostly salaried workers (mainly office boys),
students from state schools in their respective neighborhoods and also from technical courses
(a social marker of popular classes), who reported economic difficulties in acquiring records,
instruments and musical equipment.
Thus, in both spheres, in the mainstream and in the underground, young people of the
same age group, in the same period (late 1970s and early 1980s), playing and composing
“protest” music, influenced by same international bands that, at a certain point, shared the stages
in nightclubs in the cities of Rio de Janeiro and São Paulo. However, while the first group
received the greatest material and symbolic rewards provided by the music market at that time,
the members of the second group never even managed to dedicate themselves and live
exclusively from their careers, being forced to maintain parallel jobs to survive.
In addition to this introduction and final considerations, this article is divided into four
sections: in the first, we will summarize the emergence of
Rock Brasil
in the national cultural
scene, through its insertion in the music industry and in the media; in the second, we will present
the social profile and capital of the exponents of
Rock Brasil
; in the third, we will present the
emergence of punk bands from São Paulo (underground), giving special attention to the history
of the band
Inocentes
and its founder Clemente Nascimento; finally, in the fourth section, we
will analyze the competitive advantages held, in the music space, by mainstream agents based
on their class capital or
habitus
.
Arrival of
Rock Brasil
in the music industry and in the mass media
The Brazilian rock of the 1980s – also called Rock Brasil – was the dominant musical
genre in commercial terms during that decade, and its emergence was linked to the convergence
of social, economic and political events, such as the gradual end of the civil-military
dictatorship (1964-1985) and the consequent softening of censorship and ideological patrolling;
the financial crisis that Brazil and the phonographic industry were going through at the time;
and the wear and tear of artists who were then hegemonic in the cultural scene, above all, in the
face of a new consumer public, which did not identify with the metaphorical and politicized
language of Brazilian Popular Music (MPB, Portuguese initials) as before. (MAGI, 2011;
ALEXANDRE, 2013; DAPIEVE, 2015; PAIVA, 2016).
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As for musical groups, before reaching national prominence through major record labels
and mass communication vehicles, most of these young people and their embryonic bands were
recognized by a restricted audience, in an alternative circuit or scene, that is, nightclubs or dance
clubs and festivals where anonymous rock bands – especially influenced by punk bands like
the Ramones, The Clash and Sex Pistols, and post-punk or new wave bands like The Police,
The Cure, The Smiths etc. – presented themselves and spreaded throughout the country.
Venues such as
Madame Satã, Napalm, Carbono 14 and Rose Bom Bom
in São Paulo,
and Circo-Voador and Noites Cariocas, in Rio de Janeiro, were spaces that became famous for
hosting bands that are now renowned, but that were, at the time, totally unknown, such as
Blitz,
Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Capital Inicial, Ira!, Titãs, Ultraje a Rigor, RPM, Kid
Abelha
etc. (MAGI, 2011; ALEXANDRE, 2013; DAPIEVE, 2015; PAIVA, 2016; ROSA,
2021).
After the unexpected and overwhelming success of the band Blitz, with the single
Você
não soube me amar
(You didn’t knew how to love me), which reached the mark of 1 million
copies sold in a few months, becoming a “media phenomenon like the country had not yet
known” (DAPIEVE, 2015, p. 61, our translation), the major record labels began to send
“scouts” to the aforementioned nightclubs, seeking to find new groups to produce and launch
on the market. Thus, many musical groups, even those that failed to establish themselves
commercially and artistically, were “discovered” by record companies and began to develop
their careers professionally, supported by managers and producers, touring throughout the
country.
At that moment, an increasing number of radio stations began to play songs produced
by these groups and, in a short period of time, some of these young people would occupy the
most powerful instances of dissemination and consecration of the Brazilian cultural industry:
in addition to the aforementioned radios, magazines and newspapers with national circulation
and soap operas and television programs, especially those from Rede Globo.
The distinction of the rock elite: social profile of national mainstream rock agents
2
In this section we will detail the origins and social trajectories of the main composers of
six important national rock bands, which we highlight in our dissertation. We selected,
2
The data presented in this section, in addition to appearing in our dissertation, were exposed in greater detail in
the article
O rock brasileiro dos anos 1980: qual o perfil social dos roqueiros incorporados pela indústria da
música?
(Revista Sinais, UFES, V. 1, N. 24, 2020).
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Between mainstream and underground: Origins, trajectories and capitals in the two poles of Brazilian rock in the 1980s
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
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therefore, two of the main bands that emerged in the 1980s in Rio de Janeiro (
Barão
Vermelho
and
Paralamas do Sucesso
), in São Paulo (
Titãs
and
Ultraje a Rigor
) and in Brasília (
Legião
Urbana
and
Capital
Inicial
), according to the bibliography studied (MAGI, 2011; DAPIEVE,
2015; ALONSO, 2015; ALEXANDRE, 2016; SEVILLANO, 2019) and specialized cultural
criticism.
The aforementioned bands share, to a greater or lesser extent, commercial success in the
1980s and also, contemporarily, recognition from cultural critics and songs considered
politicized.
As for the trajectories and social profiles of our initial sample of musicians, it can be
seen with Bourdieu that one of the fundamental elements to objectify the social position of
origin of a certain agent is the profession of the parents, especially the father, since in the text
The contradictions in inheritance
, from the book
The weight of the world
(1993), Bourdieu
shows the role of the family in the transmission of cultural heritage, with emphasis on the father,
who, according to him, would be most responsible for transmitting an inheritance to the heir.
In this sense, the leaders and composers of the Carioca group
Barão Vermelho
, Roberto
Frejat (guitar) and Cazuza (vocals), are the sons, respectively, of José Frejat, a politician who
developed his career from Rio de Janeiro, even being elected and re-elected federal deputy in
1978 and 1982, and João Araújo, music producer and music industry executive. João Araújo
became known for being responsible for hiring Gal Costa, Jorge Ben Jor and Caetano Veloso
for the Phillips label in the mid-1960s. In 1969, at the request of Roberto Marinho, he founded
the Som Livre label, belonging to Globo Organization, becoming its president from the
foundation until the year 2005, when he retired.
Sérgio Britto's father, keyboardist, vocalist and composer of
Titãs
, Almino Monteiro
Alves Afonso, was elected federal deputy for Amazonas in 1958, and re-elected in 1962. He
assumed the post of Minister of Labor and Social Security in the government of João Goulart
in 1963. After forced exile in Chile, he returns to Brazil in 1976; he was elected deputy governor
of São Paulo on the ticket of Orestes Quercia, in the 1986 election.
Nando Reis (vocalist, bassist and composer of
Titãs
) is the son of engineer José Carlos
Galvão Gomes dos Reis, heir to a traditional family of rural landowners. Nando Reis's
grandfather, agronomist José Cassiano Gomes dos Reis, was an important dairy producer and
owner of a large coffee farm (Frei Galvão) in the interior of São Paulo.
Bi Ribeiro, bassist, founder and composer of
Paralamas do Sucesso
, is the son of
diplomat and ambassador Jorge Carlos Ribeiro. In 1973, Jorge Carlos Ribeiro assumed the
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Tiago Barros ROSA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
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leadership of the Ceremonial of the Presidency of the Republic, in the then government of
Emílio Garrastazu Médici; in 1981 he was appointed ambassador to Santiago de Chile.
Dado Villa-Lobos, guitarist, founder and composer of
Legião Urbana
, is the great-
nephew of composer Heitor Villa-Lobos and son of diplomat Jayme Villa-Lobos.
The lead singer and composer of the
Capital Inicial
group Dinho Ouro-Preto is the great-
grandson of Afonso Celso de Assis Figueiredo, the Viscount of Ouro Preto, magistrate and
politician, who held the positions of Minister of the Navy (1865), Minister of Finance during
the Empire (1879 and 1889) and was the last President of the Council of Ministers of Emperor
Pedro II. Dinho Ouro-Preto is the grandson of diplomat Carlos Celso de Ouro Preto, ambassador
to Chile (1946-1950) and France (1950-1953) and son of diplomat Afonso Celso de Ouro Preto,
ambassador to Bissau (1983-1987), Stockholm (1990-1993), Vienna (1995-1999) and Beijing
(1999-2003).
The father of Herbert Vianna (vocalist, guitarist and composer of
Paralamas do
Sucesso
), Hermano Vianna, was a military man, Air Force brigadier, and responsible for flights
for the presidency of the republic during the governments of Ernesto Geisel and João
Figueiredo.
Renato Russo, from
Legião Urbana
, is the son of economist Renato Manfredini, a career
civil servant at Banco do Brasil, who came to hold the position of advisor to the presidency of
this bank.
The father of the brothers Felipe and Flávio Lemos, respectively drummer and bassist
for
Capital Inicial
, Antônio Agenor Briquet de Lemos, was a professor of Librarianship at
UNB. Briquet Lemos directed the Documentation Center of the Ministry of Health, the
Brazilian Institute of Information in Science and Technology (IBICT) and the University of
Brasília Publishing House.
Other exponents of
Rock Brasil
were also the children of university professors from
renowned institutions, such as Tony Bellotto, founder, guitarist and composer of
Titãs
. He is
the son of Manoel Lelo Bellotto, who was professor of History at the São Paulo State University
(UNESP), and director of the College of Sciences and Letters of Assis, from 1964 to 1985.
Arnaldo Antunes, founder, vocalist and composer of
Titãs
, is the son of engineer and
professor retired from the Polytechnic School of USP, Arnaldo Augusto Nora Antunes.
Another important issue in Bourdieu's sociology concerns the formal education received
by agents. The educational trajectory of individuals, basic and higher education and the
institutions in which they studied, are constitutive – although not exclusively – of what
Bourdieu called legitimate cultural capital.
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Between mainstream and underground: Origins, trajectories and capitals in the two poles of Brazilian rock in the 1980s
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17060
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As the data show, the rockers of the 1980s generation studied, for the most part, in
renowned private schools, such as Cazuza, who studied from the age of 5 until he finished high
school, at the traditional Santo Inácio Catholic school in Rio de Janeiro, where also passed:
Vinícius de Moraes, Armínio Fraga, Pedro Malan, Eduardo Viveiros de Castro, Luís Gastão de
Orléans e Bragança, among other prominent names from the most varied fields of Brazilian
society. His bandmate, Roberto Frejat, studied at Andrews School, also one of the most
renowned and expensive in Rio de Janeiro.
In Brasilia, Renato Russo studied at Colégio Marista, a private, traditional Catholic
school where many children of politicians (deputies, ministers etc.) studied. Renato's bandmate,
Dado Villa-Lobos, and Dinho Ouro-Preto also studied at Colégio Marista in Brasilia.
Still with regard to basic educational training, the case of the
Titãs
group is significant.
With the exception of guitarist Tony Bellotto, the other members of the band's original lineup
met and started playing together on the premises of the school where they studied, the São Paulo
school Equipe, which became a reference for developing a strong art-education work, valuing
and encouraging artistic activities within the school.
As for higher education, it is interesting to note that many of the musicians observed
here entered universities, however, as this period coincided with the moment when they began
to become professional with their bands, they ended up abandoning their courses.
The data indicate that the members of the analyzed bands studied: architecture, like
Tony Bellotto (UNISANTOS), Herbert Vianna (UFRJ) and Roger Moreira (Mackenzie),
journalism, like Renato Russo (UNICEUB) and Paulo Ricardo (USP), letters (Arnaldo Antunes
– USP), mathematics (Nando Reis – UFSCAR), plastic arts and philosophy (Sérgio Britto –
FAAP and USP), zootechnics (Bi Ribeiro – UFRRJ), photography (Cazuza – Berkeley),
geography (Roberto Frejat – UFRJ), science social (Dado Villa-Lobos – UNB), psychology (Fê
Lemos – UNB) and physics (Flávio Lemos – UNB).
International circulation (prior to the artistic career) – travel and periods living abroad
– was also a defining trait of this generation. In addition to the children of diplomats, such as
Dinho Ouro-Preto and Dado Villa-Lobos, who lived in different countries during their
childhood and adolescence, we have records of other Brazilian rockers who were able to take
advantage of this opportunity and incorporate capital, such as mastering a foreign language and
proximity to the artistic production of other countries.
In this sense, Renato Russo moved from Rio de Janeiro to New York in 1968, when he
was eight years old, due to a scholarship from his father, living for two years in that locality.
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Tiago Barros ROSA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022020, 2022. e-ISSN 2358-4238
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Roger Moreira lived for a year and a half, between 1979 and 1980, in San Francisco, a
US city in the state of California linked to rock music, as did Cazuza, who studied photography
at the University of Berkeley for seven months in 1979.
Felipe and Flávio Lemos, from
Capital Inicial
, on the occasion of a master's scholarship
obtained by their father in 1977, moved to England. The Lemos brothers arrived in British
territory at the height of the punk movement, which ended up having a great influence on their
artistic careers.
Sérgio Britto, in a different context from the other rockers, lived in Chile from the age
of five to fourteen, due to his father's exile, forced to leave the country after the 1964 coup.
The data collected in our research demonstrate that the agents selected for this study
have very similar origins, trajectories and symbolic capital, with emphasis on the fact that their
parents were part of the high state bureaucracy.
The appearance of undergrounds: rock from the periphery and its restricted circulation
One of the first musical groups with a punk theme recorded in Brazil is the band
Restos
de Nada
, created in 1978 by Clemente Nascimento, in Vila Carolina, North Zone of São Paulo
(PAIVA, 2016; ALEXANDRE, 2013). The band split a few years later and Clemente founded
the band
Inocentes
in 1981.
In 1979
Cólera
was formed by the brothers Pierre and Redson Pozzi. Residents of Capão
Redondo, “dangerous region of the south zone”, the older brother, Redson, had studied until
the eighth grade and worked as an office boy in a law firm in the center of the city
(ALEXANDRE, 2013, p. 63). During its first months of formation, the band
Cólera
had as
musical instruments a guitar and a sofa performing the function of improvised drums.
The band
Ratos de Porão
, also an icon of the São Paulo punk movement, was formed
at the end of 1981, in a shed in Vila Piauí, by João Carlos Molina Esteves, Jão (guitar/vocals),
his cousin Roberto Massetti, Betinho (drums), and by Jarbas Alves, Jabá (bass). In 1983, at the
age of eighteen, João Francisco Benedan, the famous João Gordo, would join the band as
vocalist and composer. João Gordo lived his childhood and youth in a working-class
neighborhood in São Paulo, Vila Gustavo, and was the son of a military police sergeant, whom
he describes as absent and violent. The founder, Jão, took a technical course at SENAI and
worked as a helper in a motorcycle workshop. It should also be noted that the bassist of the
group, Jabá, had a passage through the former FEBEM (Juvenile Reformatory), for armed
robbery.
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Between mainstream and underground: Origins, trajectories and capitals in the two poles of Brazilian rock in the 1980s
Rev. Sem Aspas