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A contribuição de Pierre Bourdieu para os estudos sobre elites no Brasil
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022021, 2022.
e
-
ISSN 2358
-
4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
1
A CONTRIBUIÇÃO DE PIERRE BOURDIEU PARA OS ESTUDOS
DE
ELITES NO
BRASIL
LA CONTRIBUCIÓN DE PIERRE BOURDIEU
PARA
ESTUDIOS
DE
ELITES EN
BRASIL
PIERRE BOURDIEU'S CONTRIBUTION TO ELITE STUDIES IN BRAZIL
Gabriela Lanza PORCIONATO
1
Paulo
José de
Carvalho MOURA
2
Mateus Tobias VIEIRA
3
RESUMO
:
Este
artigo traça um panorama
d
os estudos sobre elite
s
no Brasil
inspirados na
teoria e no
método relacional de Pierre Bourdieu
. A partir de uma revisão bibliográfica das
produções
e das trajetórias
dos pesquisadores, cuja passagem pela França marca uma "primeira
geração" de brasileiros em contato direto com Bourdieu
.
O
mapeamento mostra
que, ao longo
dos anos,
ocorre uma
diversif
icação e ampliação
tanto das redes de pesquisadores
,
quanto de
temáticas
e
dos usos metodológicos, que
como resultado produz
uma "segunda geração"
de
pesquisadores
que
serão responsáveis por
profundar a conexão Brasil
-
França através do
estreitamento dos la
ços com herdeiros franceses de Bourdieu, além de ocupar posições em
importantes espaços institucionais nacionais, como professores e pós
-
graduandos em
universidades públicas e privadas e nas principais associações da área de Ciências Sociais,
o
que contribuiu fortemente para estruturar polos formadores que possibilitaram a difusão e a
operacionalização do método bourdieusiano para o estudo d
a questão das
elites.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Elites. Pierre Bourdieu.
S
ociologia relacional.
RESUMEN
:
Este ar
tículo presenta un panorama de los estudios sobre las élites en Brasil
inspirados en la teoría y el método relacional de Pierre Bourdieu. A partir de una revisión
bibliográfica de las producciones y trayectorias de los investigadores cuyo paso por Francia
marca una "primera generación" de brasileños en contacto directo con Bourdieu, el mapeo
muestra que, a lo largo de los años, se produce una diversificación y ampliación tanto de las
redes de investigadores, como de los temas y usos metodológicos, lo que da
lugar a una
"segunda generación" de investigadores que se encargará de profundizar la conexión Brasil
-
Francia a través del fortalecimiento de los vínculos con los herederos franceses de Bourdieu,
1
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara
–
SP
–
Brasil. Doutora em Ciências
Sociais. Pesquisadora
do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Emoções, Sociedade, Poder, Organização e Mercado (NESPOM).
ORCID
:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
0231
-
536X
.
E
-
mail:gabiporcionato@gmail.com
2
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara
–
SP
–
Brasil.
Doutorando em Ciências Sociais.
Pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
-
FAPESP (
2022/03520
-
4).
Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Emoções, Sociedade, Poder, Organização e Mercado
(NESPOM).
ORCID
:
https://orcid.org/0000
-
0003
-
3120
-
4105
. E
-
mail: paulo.moura@unesp.br
3
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara
–
SP
–
Brasil. Doutorando no Programa de Pós
-
Graduação
em Ciências Sociais da UNESP. Pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Sociedade, Poder,
Organiza
ção e Mercado (NESPOM). Bolsista CAPES. ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
6558
-
8779
. E
-
mail:
mateus.tobias@unesp.br
image/svg+xml
Gabriela Lanza PORCIONATO
;
Paulo José de Carvalho MOURA
e
Mateus Tobias VIEIRA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara,
v.
11, n.
esp.
1, e022021
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
2
además de ocupar posiciones en importantes espacios institu
cionales nacionales, a saber,
como profesores y posgraduados en universidades públicas y privadas y en las principales
asociaciones del área de las Ciencias Sociales, lo que contribuyó fuertemente a estructurar
polos formativos que permitieron la difusión
y la operacionalización del método bourdieusiano
para el estudio de la cuestión de las élites.
PALA
B
RAS
CLAVE
:
Elites. Pierre Bourdieu.
Sociología relacional.
ABSTRACT
:
This article traces an overview of studies on elites in Brazil inspired by Pierre
Bourdieu's theory and relational method. It is based on a bibliographical review of the
productions and trajectories of researchers who studied in France and whose passage th
rough
the country marks a "first generation" of Brazilians in direct contact with Bourdieu. The
mapping shows that, over the years, there is a diversification and expansion both in the
networks of researchers, as well as in the thematic and methodological
uses, which as a result
produces a "second generation" of researchers who will be responsible for deepening the
Brazil
-
France connection through closer ties with Bourdieu's French heirs,
b
esides occupying
positions in important national institutional space
s, as professors and postgraduates in public
and private universities and in the main associations in the area of Social Sciences, which
strongly contributed to structuring formative poles that enabled the diffusion and the
operationalization of the Bourdi
eusian method for the study of elites.
KEYWORDS
:
Elites.
Pierre Bourdieu. Relational sociology.
Introdução
Pierre Bourdieu
se coloca como uma das principais figuras
para a
s
ciências sociais
francesa
e
mundial
4
, n
o Brasil, em especial,
o sociólogo e antropólogo francês
é o autor mais
lido e citado,
sendo
o português a quarta língua
com maior
número de livros de Pierre Bourdieu
traduzidos (CAMPOS; SZWAKO, 2020)
5
.
No ano de
2022, completou
-
se
20 anos de sua morte
e o
presente
artigo tem como objetivo
mapear
a
s pesquisas
brasileira
s
que
abordam
a questão
das
elites
a partir da teoria e método d
o autor
.
As elites como objeto de estudo remontam
à
teoria das elites
clássica
de Vilfredo
Pareto
(1948
-
1923) e Gaetano Mosca (1858
-
1941)
,
que apresentam
como argumento central o fato de
que,
independentemente
do grupo social/sociedade, do lugar e da época, existiria uma minoria
(
elite
)
que
,
através de certos atributos, se destaca
ria
e det
eria
o poder de dirigir uma maioria.
Somam
-
se a esses dois autores, Robert Michels (1876
-
1936) e
-
já no século XX
-
Charles
Wright Mills (1916
-
1962).
4
SANTORO, M.; GALLELLI, A.; GRÜNING, B.
Bourdieu’s International Circulation
.
Oxford: Oxford
University Press, 2018.
DOI
:
https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199357192.013.2
.
5
A pesquisa examinou as referências de mais de 11 mil artigos publicados em 24 periódicos nacionais entre 1999
e 2018 nas três disciplinas canônicas
—
ciência política, antropologia e sociologia.
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A contribuição de Pierre Bourdieu para os estudos sobre elites no Brasil
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022021, 2022.
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ISSN 2358
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4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
3
A influência dos estudos de Pareto e Mosca e
ntre os especialistas ness
e
campo
de estudo
é consolidada e não e
stá em disputa
6
. No
que tange ao
conhecimento da teoria das elites,
toda
a
genealogia de autores e textos
-
chave não
refuta
a
relevância
dos autores italianos
, sendo que,
qualquer reflexão que bus
que
se inserir nessa temática deve
demonstrar familiaridade
como
condição de aceitação e reconhecimento, mesmo que para refutar tais ideias (GRYNSZPAN,
1999).
A "clássica" teoria das elites vem experimentando diversas mudanças, passando por
novas interpretações e sendo apropriada de diversas formas nas
pesquisas e análises
contemporâneas
7
, a
partir de uma diversificação, tanto no debate
,
quanto no surgimento e
desenvolvimento de outras áreas temáticas
; uma dessas
abordagens
inovadoras é a de Pierre
Bourdieu
.
Para Bourdieu, “o real é relacional” (BOURDIE
U, 1989a, p. 28), dessa forma, as
características (capitais) investigad
a
s pelos pesquisadores como propriedades do indivíduo, na
verdade, são propriedades
coletivas, são
expressão das posições ocupadas pelos agentes no
espaço social.
Essa
s características
correspondem a
um conjunto de
atributos
que Bourdieu
chamou de “capitais”
, esses
se encontram
distribuídos
em um espaço de posições relacionais
.
Des
se modo
,
os capitais dos agentes que compõem o espaço social não são "naturais"
-
tampouco as propriedades s
ociais ditas distintas dos grupos dominantes
-
, mas,
são recursos
inerentes à superioridade de seus membros (BOURDIEU, 1989a). Desta forma, a crítica de
Bourdieu sobre a teoria das elites repousa no fato da teoria clássica estudar os atributos ou os
capita
is em si, sem entender que
se
trata de um aspecto relacional do espaço em que estariam
inseridos
os agentes
(
PERISSINOTTO
;
CODATO
, 2008).
No
clássico estudo
intitulado
La noblesse d’état
(1989b)
,
realizado entre as
décadas de
1960 e 1970,
Bourdieu
demonstr
a como o sistema de ensino (escolar e superior/universitário)
instituem fronteiras sociais entre alunos, sejam eles estudantes de escolas mais ou menos
reconhecidas
,
ou ainda,
mais ou menos próximas do p
o
lo intelectual ou econômico.
A pesquisa
demonstra que o
sistema de ensino constrói fronteiras que exercem efeitos ao longo da vida dos
estudantes através da produção e consagração de identidades e grupos sociais.
6
Apesar de nos referirmos a ambos co
mo italianos, Vilfredo Pareto nasceu em Paris em 15 de julho de 1848, o
seu pai, descendia de uma nobre família italiana, os registros são imprecisos, mas a volta da família Pareto à Itália
ocorreu no ano de 1852, contudo, outras registram o ano de 1854.
7
Em meados da década de 1980, há uma queda considerável na intensidade do debate sobre a teoria das elites.
(GRYNSZPAN, 1999). Parte dessa queda se deve à diversificação das áreas e temática do campo das ciências
sociais, e de críticas formuladas a partir
de três perspectivas, são elas: o estruturalismo marxista, o
institucionalismo de escolha racional e a Sociologia Relacional de Pierre Bourdieu (
PERISSINOTTO
;
CODATO
,
2008).
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Gabriela Lanza PORCIONATO
;
Paulo José de Carvalho MOURA
e
Mateus Tobias VIEIRA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara,
v.
11, n.
esp.
1, e022021
,
2022
.
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ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
4
Dessa forma
,
segundo a crítica de Bourdieu
,
um estudo que
buscasse
representa
r
uma
descrição do “perfil social” dos ditos membros das
“
elites
”
e que não dissesse
, ou
dissesse
pouco
,
sobre a estrutura e o funcionamento da sociedade em questão ou do aspecto relacional
de tais propriedades
sociais, e
staria
reduzido a
uma perspectiva
bastante
limitada
(PERISSINOTTO
;
CODATO, 2008). É sob essa perspectiva relacional que Bourdieu reformula
a questão de classe, na medida em que "amplia e corrige visões clássicas sobre o tema"
(WACQUANT, 2013, p. 87).
Dentr
e todos os conceitos
-
chave da teoria de Bourdieu
(por exemplo
:
espaço social,
habitus
, violência simbólica
)
, umas das principais questões introduzida pelo autor sobre classe
é que
,
além de ser relacional, ela se baseia na luta,
ou seja, em
disputas socialm
ente construídas
pelos diversos
agentes, detentores de
tipos de capitais
,
em vários domínios da vida (campos),
alinhado por sua vez ao aspecto simbólico, portanto, estabelecid
o
na esfera do conhecimento e
reconhecimento via processo de legitimação.
Rompend
o tanto com as teorias das elites quanto com a
visão
marxista, Bourdieu
descarta a
noção
de “classe dirigente” em favor do conceito relacional de
campo de poder
.
Assim
,
em lugar de tomar as “elites”
como dadas ou estipul
a
-
las
através
de um ato de autoridade
cient
í
fica,
ele
problematiza a
existência desse grupo social
, as fronteiras e o grau de
coesão,
tanto das classes superiores quanto das subordinadas,
abrindo
espaço
para a pesquisa
cientifica
empírica
das modalidades sociais de sua
possível
unificação
e eventual capacidade para
ação
conjunta (WACQUANT, 2013).
As pesquisas de Bourdieu contaram com uma série de desdobramento, nesse sentido,
destaca
-
se Monique de Saint
-
Martin, c
olaboradora
de
Bourdieu
em diversas pesquisas
,
a autora
de
dicou seus esforços,
com maior especificidade
,
sobre
as
questões relacionadas as frações
dominantes do
espaço social
.
Em suas obras,
Saint
-
Martin utiliza o termo
“
elite
”
escrito no
plural (
eliteS
)
e analisa as estratégias de legitimação sobre as quais
esse
s grupos
se apoiam e as
maneiras de fazer e de agir nas ações práticas e simbólicas (SAINT
-
MARTIN, 2008). Em
pesquisas conduzidas por Bourdieu e Saint
-
Martin
em parceria
estão inseridos os
trabalhos
sobre a formação de várias elites na França
–
patronal, u
niversitária, econômica e religiosa.
Saint
-
Martin (2008), ao conceituar
elite
s
, reforça a perspectiva relacional e posicional.
Para a autora, a
s elites ocupam posições de poder político, administrativo, econômico, cultural
e religioso e possuem contornos n
ão definidos;
ou seja,
não se trata de traçar fronteiras de quem
é ou não é elite, pois, “por definição, não se faz parte das elites ‘em si’, deve
-
se fazer parte delas
para os outros” (CHARLES, 1987 apud SAINT
-
MARTIN, 2008, p.
48).
Então, o
conceito de
elites é aplicado em relação aos outros grupos pertencentes/atuantes no espaço social
e
não se
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A contribuição de Pierre Bourdieu para os estudos sobre elites no Brasil
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022021, 2022.
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ISSN 2358
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4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
5
explica
em si
mesmo
;
o que caracteriza
as elites
são os modelos de comportamento que esse
s
grupo
s
propõe
m
, os sistemas de valores que possuem, a inf
luência
e
a pressão que exercem.
(SAINT
-
MARTIN, 2008)
8
.
N
ão é possível compreender o modo de funcionamento das elites, as lutas pelas posições
de poder e a própria distribuição do poder sem levar em consideração o peso da formação
—
o
capital cultural
9
.
A socialização e a formação dos membros das futuras elites dependem
estreitamente das instituições educativas (escolas de elite, privadas ou públicas, grandes liceus,
grandes
écoles
etc.) que favorecem a estruturação dos grupos, a constituição de redes e
a
aprendizagem de modos de gestão das relações e do exercício da autoridade (SAINT
-
MARTIN,
2008, p.
52).
Nesse aspecto, se atentar
apenas
ao
capital econômico
detido pelo
s
grupo
s
a serem
analisado
s
limitaria
o entendimento e reduziria a multidimensionalidade n
a
qual el
e
se
constitui
10
.
Os
grupos que ocupam as posições dominantes e as famílias mais ricas se
caracterizam por uma “obsessão pela transmissão”;
eles mantêm
vigilância
sobre
a educação,
as alianças m
atrimoniais dos filhos, os espaços de residência e de encontro, as relações (SAINT
-
MARTIN, 2008, p.57). Soma
-
se ao peso do capital cultural (diploma escolar), o peso mais ou
menos importante do capital econômico, o modo de vida e até as escolhas de residên
cia, no
qual revela
-
se a segregação espacial (PINÇON; PINÇON
-
CHARLOT, 1989 apud SAINT
-
MARTIN, 2008).
As elites são, portanto, constituídas por grupos sociais coesos,
que
geralmente
ocupam
posições dominantes em diferentes setores
,
ao mesmo tempo que se
enc
ontram
na vida privada
,
dado o trânsito por espaços semelhantes
. Contudo, apesar de processos coesos e estruturas de
capitais similares, a análise das elites
não pode ser
reduzida
a
uma unidade, pelo contrário, é na
relação destas
mesmas elites
que se
anal
isa os pesos (e/ou poder) exercido sobre grupos, na
relação de poder
11
(SAINT
-
MARTIN, 2008).
8
Saint
-
Martin afirma que são numerosas as noções às quais sociólogos recorrem par
a analisar e mesmo descrever
grupos sociais em posições elevadas na hierarquia social. Nesta vertente, a autora cita que para a maioria dos
pesquisadores, elites são aqueles que: “se encontram no topo da hierarquia social e aí exercem funções importantes,
as quais são valorizadas e reconhecidas publicamente através de rendas importantes, diferentes formas de
privilégio, de prestígio e de outras vantagens oficiais ou oficiosas” (SAINT
-
MARTIN, 2008, p.
48).
9
O peso da passagem pelos grandes
écoles
é decisivo
na França. A legitimação escolar, que é sinônimo do diploma
de grande
école
, não exclui uma origem social elevada. Citando a pesquisa de Offerlé (1999), Saint
-
Martin (2008)
diz que os diretores
-
presidentes das grandes empresas, os altos funcionários passa
m, em sua maioria, pelas grandes
écoles
.
10
Saint
-
Martin faz uso da palavra dinastia ao tratar das estratégias de reprodução das elites. O sentido de dinastia
deve ser pensado em uma série de características que permitem a continuidade, o acúmulo das
diferentes espécies
de capital para manter e/ou melhorar de posição no espaço social.
11
As
análises do
caso do duque de
Brissac representa
e/ou personifica o conjunto de propriedades (capitais) da
aristocracia. Saint
-
Martin (2020) coloca o capital social,
que o duque desde criança aprendeu a manter e a cultivar,
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Gabriela Lanza PORCIONATO
;
Paulo José de Carvalho MOURA
e
Mateus Tobias VIEIRA
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara,
v.
11, n.
esp.
1, e022021
,
2022
.
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ISSN
2358
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4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17082
6
Outro conceito importante nas
análise
s
de Saint
-
Martin
(2020; 2022)
é o de reconversão.
Ao se debruçar sobre o campo do poder,
a autora
questiona que as elites
não
são
exceção
a
processos de
desestabilização
das
posições
sociais e profissionais, ou seja, por se tratar de uma
espaço social relacional, as elites não têm sua posição assegurada.
N
os últimos anos,
Saint
-
Martin tem centrado
a sua investigação nos processos de
reconversão de ex
-
elites ou ex
-
grupos dirigentes, com o estudo de vários casos
12
: ex
-
alunos de
liceus e membros de grandes entidades que saem da alta administração para empresas privadas,
burocratas e
ex
-
nomenklaturistas
que se instalaram na Rússia, descendentes da nobreza no
final
do
século XX. As reconversões em sentido forte supõem uma forma de ruptura com o
património e com os antigos recursos detidos, a assunção de riscos, uma recomposição de
recursos em diferentes b
ases e uma reconstrução da identidade. Coloca
-
se também a questão
das desconversões, nomeadamente processos antagônicos às reconversões, exercendo efeitos
de separação e privação da ideia ou projeto de uma conversão possível.
Além desta introdução e conclu
são, o artigo está dividido em duas partes. Na primeira
apresentamos o contexto da recepção e a circulação do pensamento de Bourdieu no Brasil, a
partir de pesquisadores brasileiros que estabeleceram contato direto com o autor, inclusive,
sendo alguns orie
ntados pelo próprio Bourdieu em passagens pela França durante o período do
doutoramento. Essa primeira geração produziu herdeiros que, consecutivamente, acabaram por
formar uma "segunda geração", conforme define Rocha (2022), que aprofundaria a conexão
Bra
sil
-
França através do estreitamento dos laços com herdeiros franceses de Bourdieu, além de
ocupar posições em importantes espaços institucionais nacionais, a saber, como professores e
pós
-
graduandos em universidades públicas e privadas e nas principais ass
ociações da área de
Ciências Sociais,
o que contribuiu fortemente para estruturar polos formadores que
possibilitaram a difusão e a operacionalização do método bourdieusiano para o estudo de elites.
A parte seguinte do artigo
apresenta
o contexto da
recepç
ão e os mediadores
d
a obra e
do método
relacional
de
Bourdieu
e como
a expansão de pesquisas e trabalhos
se deu
a partir
de polos formadores
—
considerados por nós como um divisor de água na temática de estudos
de elites nacionais. O mapeamento
foi realiza
do
em torno de pesquisas
(dissertações e teses)
como o princípio de todas as riquezas herdadas, o qual jamais deixou de valorizar e ampliar. O duque era o centro
de uma rede de relações que se completam e se acumulam ao longo do tempo, são essas:
relações de parentesco,
escolares, de negócios, de vizinhança, de
clube etc.
O pertencimento a esta grande família assegura, assim, a cada
um dos seus membros os ganhos, simbólicos notadamente, que correspondem aos recursos acumulados de todos
seus membro
s e que são sem dúvida tanto mais importantes quanto a posição ocupada é mais central (SAINT
-
MARTIN, 2020, p.
54).
12
Para maiores detalhes ver entrevista concedida à Jardim e Martins, Revista Tempo Social, no prelo.
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7
sobre elites que se ancoram na sociologia relacional e por isso pensam os grupos dominantes
na perspectiva de Bourdieu.
A recepção e circulação do pensamento de Pierre
Bourdieu no
Brasil
Uma série de autores buscou mapear a circulação da obra de Pierre Bourdieu no Brasil.
Bortoluci, Jackson e Pinheiro Filho (2015) argumentam que a recepção brasileira do autor foi
facilitada pelo momento anterior vivido pela sociologia no Brasil, no caso, o
fato de a
consolidação da disciplina ter se dado no contexto da vinda de professores franceses para o
Brasil entre os anos de 1930 e 1960, sobretudo para a formação da Universidade de São Paulo
(USP)
,
o que favoreceu a permanência da influência da tradiçã
o intelectual francesa nos anos
seguintes no país
13
. Em 1969, foram inaugurados os Programas de Pós
-
Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional e de Ciência Política no Iuperj, no Rio de Janeiro, o
que deslocou o centro de gravidade da sociologia de
São Paulo para o Rio de Janeiro.