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Uma análise sobre a financeirização do ensino superior e os efeitos da produção do diploma como um signo de distinção social
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
1, e022022
,
2022
.
e
-
ISSN
2358
-
4238
DOI:
https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17520
1
UMA ANÁLISE SOBRE A FINANCEIRIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E OS
EFEITOS DA PRODUÇÃO DO DIPLOMA COMO UM SIGNO DE DISTINÇÃO
SOCIAL
UN ANÁLISIS SOBRE LA FINANCIAMIENTO DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR Y
LOS EFECTOS DE LA PRODUCCIÓN DEL DIPLOMA COMO
SEÑAL DE
DISTINCIÓN SOCIAL
ANALYSIS ON THE FINANCIALIZATION OF HIGHER EDUCATION AND THE
EFFECTS OF THE PRODUCTION OF THE DIPLOMA AS A SIGN OF SOCIAL
DISTINCTION
Janaina de OLIVEIRA
1
Natalia CASAGRANDE
2
Maria Teresa Miceli KERBAUY
3
RESUMO
:
A
contemporaneidade trouxe transformações nas relações sociais, ciência,
tecnologia e educação, produzindo uma nova economia cultural mundanizada e complexa. Este
trabalho
tem como objetivo apresentar uma discussão entre os sentidos da expansão do ensino
sup
erior bem como a financeirização do setor que passa a conceber o ensino como um negócio
lucrativo. Esse cenário insere
-
se nos
efeitos da mundialização das finanças, principalmente no
ensino superior privado após os anos 2000, quando este setor vivencia a
mercadorização e o
crescimento de empresas educacionais que desvalorizam o conhecimento em função do lucro,
produzindo um ensino de baixa qualidade. Na sociedade capitalista, os bens de consumo
carregam em si categorias sociais e valores culturais visto qu
e os altos padrões de consumo
entram na competição pelo status de diferenciação social. Isto significa que o consumo via
educação possui um valor que é utilizado como signo distintivo perante os seus membros.
PALAVRAS
-
CHAVE
: Distinção social. Educação
s
u
perior. Expansão do ensino.
Mundialização do capital.
RESUMEN
: La contemporaneidad ha traído transformaciones en el campo de las relaciones
sociales, la ciencia, la tecnología y la educación, produciendo una nueva economía cultural
mundana y compleja.
S
e destaca, en este trabajo, que uno de los efectos de la
globalización/globalización de las finanzas en la educación, especialmente en la educación
superior privada a partir de fines de la década de 1990, fue que el sector experimentó un
proceso de mercant
ilización y el crecimiento de empresas educativas que devalúan el
conocimiento con fines lucrativos, produciendo una educación de baja calidad. En la sociedad
capitalista, los bienes de consumo considerados en este texto, la educación, llevan en sí mismos
1
Universidade Estadual Paulista
(
UNESP
)
, Araraquara
–
SP
–
Brasil. Doutoranda do Programa de Pós
-
Graduação
em Ciências Sociais.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
3244
-
6109
.
E
-
mail: janalive@gmail
.com
2
Universidade Estadual Paulista
(
UNESP
)
, Marília
–
SP
–
Brasil. Doutoranda do Programa de Pós
-
Graduação em
Educação.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
8939
-
1540
.
E
-
mail: nmcasagrande@gmail.com
3
Universidade Estadual Paulista
(
UNESP
)
, Araraquara
–
SP
–
Brasil.
Professora do
Programa de Pós
-
Graduação
em Ciências Sociais.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
0622
-
1512
.
E
-
mail:
teresa.kerbauy
@gmail.com
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Janaina de OLIVEIRA; Natalia CASAGRANDE e Maria Teresa Miceli KERBAUY
Rev.
Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022022, 2022.
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categorías sociales y valores culturales, ya que los altos patrones de consumo compiten por el
estatus de diferenciación social. Esto significa que el consumo a través de la educación tiene
un valor que se utiliza como signo distintivo ante sus integrantes
. Las nuevas facultades que se
constituyeron como empresas, utilizando el área educativa con el fin de obtener ganancias y la
enseñanza pasa a ser entendida como una mercancía
-
un producto disponible para diferentes
públicos y significados
-
lo que generó u
na diferenciación social de los títulos. Así, estos títulos
materializados en diplomas pueden no tener el efecto simbólico necesario para generar
distinción en el ámbito comercial y social.
Esto significa que el consumo a través de la
educación tiene un va
lor que se utiliza como signo distintivo ante sus
membros.
PALABRAS CLAVE
:
Distinción social. Educación universitaria. Expansión de la enseñanza.
Globalización del capital.
ABSTRACT
:
Contemporaneity has brought transformations in the field of social rel
ations,
science, technology and education, producing a new mundane and complex cultural economy.
It is noteworthy, in this work, that one of the effects of the globalization/globalization of finance
in education, especially in private higher education after the late 1990s, was that the sector
experienced a process of commodification and the growth of
educational companies that
devalue the knowledge for profit, producing low quality education. In capitalist society, the
consumer goods considered in this text, education, carry within themselves social categories
and cultural values, as high consumption p
atterns compete for the status of social
differentiation. This means that consumption via education has a value that is used as a
distinctive sign before its members.
KEYWORDS
: Social distinction. College education. Expansion of teaching. Globalization o
f
capital.
Introdução
O ensino superior sofreu mudanças a partir dos anos 1990 devido ao processo de
globalização e a chegada da sociedade do conhecimento, fazendo com que esse setor recebesse
maior reconhecimento nos sistemas nacionais de ensino. Esse contexto foi favorável ao
projeto
expansionista que passou a ser visto como um importante instrumento aliado às políticas
econômicas e sociais, principalmente no que se refere à promoção da mobilidade social,
ascensão por meio da qualificação profissional e redução da desigualdade
de oportunidades
com a criação de diferentes políticas de acesso à universidade pública e privada. O
desenvolvimento dessas ações contribuiu para a inclusão de pessoas de diversas classes
sociais
,
negros e indígenas no ensino superior e motivou governos d
e diferentes países a conceber a
educação superior como um princípio fundamental de competitividade econômica entre os
países.
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A contemporaneidade trouxe consigo transformações no campo das relações sociais e,
dentre outros, também da ciência, economia, e
ducação e moral. Ressalta
-
se a contextualização
das transformações da sociedade e do capitalismo que engendraram a presente discussão. Para
Giddens (1991), o
capitalismo moderno
é um sistema de produção de mercadorias, centrado na
relação entre a proprieda
de privada do capital e o trabalho assalariado, sem posse de
propriedade, formando o eixo principal de um sistema de classes.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão entre
os sentidos da expansão do ensino superior p
rivado bem como a financeirização do setor que
passa a conceber o ensino como um negócio lucrativo devido à sua rentabilidade e crescimento
no mercado financeiro. Esse movimento atraiu diversos investidores de diferentes setores e
grupos internacionais da
área educacional. As consequências desta expansão também são
apresentadas, a seguir, a partir da discussão do valor do diploma como signo distintivo na
sociedade contemporânea.
Partimos da discussão sobre as transformações no campo da cultura e da Educaçã
o por
meio das discussões apresentadas por Arjun Appadurai (2004) e Anthony Giddens (1991) para
contextualizar o processo da globalização na sociedade contemporânea; Mary Douglas (2004)
sobre o consumo e a utilização do bens em diálogo com Pierre Bourdieu
sobre o valor do
diploma; e também com
Boltanski e Chiapello (2009)
para descrever a discussão
sobre o
acúmulo do capital e sua representação como signos de poder nas formas concretas da riqueza,
visando a transformação permanente desse capital. E, finaliz
ando a discussão apresentada,
utiliza
-
se
Boaventura de Souza Santos (2013), entre outros autores, para contextualizar o
processo de mercadorização do ensino e a expansão da educação superior privada no Brasil
diante das questões apresentadas.
Com o
intuito de analisar os textos escolhidos para a realização desse trabalho foi
utilizada a técnica de revisão bibliográfica, a qual está fundamentada em diversos estudos
exploratórios a partir da técnica de análise de conteúdo. Assim, entendemos que a princ
ipal
vantagem da utilização da pesquisa bibliográfica é a ampliação dos fenômenos dos quais não
teríamos um acesso direto. Isto significa que a revisão bibliográfica (ou da literatura), busca
identificar o “estado da arte” ou o alcance dessas fontes (GIL,
2008). Dessa forma, justifica
-
se
a escolha por estar inscrito no estudo de obras científicas recentes disponíveis sobre os temas
que tratam da expansão do ensino superior privado e introdução dos grupos educacionais no
mercado financeiro.
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Janaina de OLIVEIRA; Natalia CASAGRANDE e Maria Teresa Miceli KERBAUY
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Capitalismo, cu
ltura e a mercadorização do ensino superior
De acordo com Giddens (1991), a Globalização, comumente debatida no contexto
contemporâneo, é intensificadora das relações sociais em escala mundial, ligando locais
distantes, fazendo com que acontecimentos loca
is sejam modelados por eventos
que ocorrem à
milhas de distância, apresentando
-
se como um fenômeno inerente da modernidade.
Para o
autor, o capitalismo foi uma influência globalizante fundamental em função de ser uma ordem
econômica, e não política. Foi ca
paz de penetrar em áreas distantes do mundo onde os Estados
de sua origem não poderiam fazer valer de maneira integral sua influência política. Os
primordiais centros de poder na economia mundial são Estados capitalistas, nos quais o
empreendimento econômi
co capitalista é o principal meio de produção.
A globalização da cultura não é o mesmo que a sua homogeneização, mas a globalização
requer o uso de uma série de instrumentos de homogeneização (armamentos, técnicas
publicitárias, hegemonias linguísticas, m
aneiras de se vestir) que são absorvidos pelas
economias políticas e culturais locais apenas para serem repatriadas como diálogos
heterogêneos de soberania nacional, livre iniciativa e fundamentalismo em que o Estado
desempenha um papel delicado na abertur
a aos fluxos globais, e o Estado
-
nação é ameaçado
pela revolta. No geral, “o Estado tornou
-
se o árbitro desta
repatriação da diferença
(sob a forma
de mercadorias, anúncios, frases publicitárias e modas). Mas esta repatriação ou exportação [...]
e da homog
eneização que, as mais das vezes, se esgota em discussões sucessórias”
(APPADURAI, 2004, p.
63
-
64).
A universidade está inserida no contexto da globalização e do capitalismo de finanças,
fazendo com que, ao estabelecer um diálogo entre o capitalismo e a me
rcadorização do ensino
e seus efeitos na produção do conhecimento na universidade, produza, consequentemente, uma
diferenciação no valor do diploma. Assim, recorremos aos autores Boltanski e Chiapello (2009)
para definirmos os sentidos do capitalismo na so
ciedade contemporânea, ou como os autores
definem, “o novo espírito do capitalismo”; estabelecendo um diálogo com a expansão das
universidades; Mary Douglas e Isherwood (2004) com sua contribuição para o uso dos bens e
relação com o consumo; Pierre Bourdie
u (2002) para a distinção social e a relação entre capital
cultural e econômico; e Bourdieu e Boltanski (1998) com a contribuição sobre o valor do
diploma e o cargo
–
posição social dos indivíduos
-
entre outros autores para contextualizar o
valor mercadol
ógico assumido por algumas instituições de ensino superior.
Entende
-
se que a definição mínima de capitalismo é, teoricamente, qualquer um que
possua um excedente e
o invista para extrair um lucro que venha a aumentar o excedente inicial.
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Uma análise sobre a financeirização do ensino superior e os efeitos da produção do diploma como um signo de distinção social
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O exemplo típico d
isso é o acionista que aplica seu dinheiro numa empresa e fica à espera de
uma remuneração, mas o investimento não assume necessariamente essa forma jurídica. “O
pequeno aplicador, o poupador que não quer que seu "dinheiro fique parado," mas "dê cria" [...
]
portanto, ao grupo dos capitalistas tanto quanto os grandes proprietários [...]. Assim, o grupo
capitalista reúne um conjunto dos detentores de um patrimônio rentável
”
(BOLTANSKI;
CHIAPELLO, 2009, p. 37).
De acordo com Boltanski e Chiapello (2009), “o es
pírito do capitalismo é justamente o
conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribuem para justificar e sustentar
essa ordem, legitimando os modos de ação” que são coerentes no local estabelecido. As
definições dos autores podem ser aplica
das para compreender as práticas locais ou globais que
dão respaldo ao cumprimento de tarefas mais ou menos penosas e, de modo mais geral, à adesão
a um estilo de vida, em sentido favorável à ordem capitalista. Isso produz uma “
ideologia
dominante”, para q
ue os
dominadores garantam seus objetivos e o consentimento dos
dominados, reconhecendo que a maioria dos participantes no processo, tanto os fortes como os
fracos, apoiem os mesmos esquemas para representar o funcionamento da ordem estabelecida.
É por mei
o desta relação entre contemporaneidade/capitalismo que Giddens (1991)
discorre a respeito das instituições modernas. Assim, Giddens (1991, p. 115) cita que:
Dentro das diversas esferas das instituições modernas, os riscos não existem
apenas como casualid
ades resultantes de operações imperfeitas de
mecanismos de desencaixe, mas também como arenas de ação "fechadas",
institucionalizadas. Os mercados de investimentos representam facilmente o
exemplo mais proeminente na vida social moderna. Todas as firmas de
negócios, com exceção de certos tipos de indústria nacionalizada, e todos os
investidores, operam num ambiente onde cada um tem que prever os lances
dos outros no sentido de maximizar os lucros.
Desse modo, o acúmulo do capital não consiste num
amontoamento de riquezas
-
objetos
desejados por seu valor de uso ou como signos de poder, mas nas formas concretas da riqueza
(imobiliária, bens de capital, mercadorias e moeda) cujo único objetivo que importa realmente
é a transformação permanente desse capital. Para os autores, i
sto significa que o movimento do
Capitalismo incorpora o utilitarismo à economia, o que possibilita a aceitação de tudo o que é
benéfico ao indivíduo, sendo também benéfico à sociedade. Ou seja, por analogia, tudo o que
produz lucro (portanto, serve para o
capitalismo, consequentemente, servirá à sociedade). Nessa
perspectiva, só o crescimento das riquezas, seja qual for o seu beneficiário (empresa, grupo de
acionistas ou proprietário individual), é considerado um critério do bem comum.
(BOLTANSKI; CHIAPELL
O, 2009).
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As instituições de ensino superior (IES) particulares, inseridas no contexto acima,
deixaram evidente que possuíam abertamente fins lucrativos a partir do que alguns autores
denominaram de “empresas educacionais”, oferecendo produtos e serviços
de acordo com a
demanda do mercado. Isto enfatiza que o seu funcionamento é similar a qualquer outra empresa
-
vender um produto, possuir competição no mercado e, como propósito final, obter lucro.
Para Martins (1981, p. 80), os IES: “[...] se constituíra
m como empresas privadas
capitalistas [...] voltadas para a procura de rentabilidade, utilizando a área educacional [...] com
a finalidade de obtenção de lucro e de acumulação de capital. É interessante destacar que estas
instituições foram denominadas de
“
universidades mercantis”.
Destaca
-
se que a lógica da oferta
de ensino superior nesses estabelecimentos se prende antes às exigências do mercado, as quais
são associadas à perda de autonomia (e mesmo de influência) do corpo acadêmico no setor
privado empre
sarial, o que soa como uma ameaça ao próprio
ethos
universitário.
Após a primeira década dos anos 2000, ficou evidente as pretensões das faculdades
particulares em relação ao campo financeiro. Dessa forma, no período citado, verifica
-
se a
formação de olig
opólios por meio da criação de redes de empresas através da “[...] compra e
(ou) fusão de IES privadas do país, por empresas nacionais e internacionais de ensino superior
e pela abertura de capitais destas nas bolsas de valores” (CHAVES, 2010, p. 483). A m
igração
de grupos/investidores de outros setores do mercado financeiro para o setor educacional se
justifica pelo crescimento do setor e por ser favorável à rentabilidade que se apresentou nas
últimas décadas, passando a ser um setor de investimento mais “
seguro”.
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do setor privado de ensino superior
foram os baixos investimentos realizados pela União na área da educação superior, em grande
medida ditados pelo processo de ajuste fiscal dos anos 1990, os quai
s eram referendados pelas
orientações emanadas dos organismos financeiros internacionais, tais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial, sendo que os gastos em educação nos países em
desenvolvimento deveriam limitar
-
se ao ensino básico.
Com isso, aprofundou
-
se o fosso
existente entre a crescente demanda por educação superior e a oferta de vagas pelas IES
públicas, abrindo
-
se, assim, espaço para a expansão do setor privado.
Dessa forma, após a promulgação da Lei nº 9870/1999
4
que facult
a a operação no setor
de ES de empresas com fins lucrativos listadas na bolsa de valores, houve uma transformação
na realidade deste setor. No campo Educacional surgem as companhias de capital aberto, as
S.A ou grupos educacionais, as quais estão organizad
as de diferentes maneiras com relação à
4
Dispõe sobre o valor total das anuidades escolar
es. Essa lei ficou popularmente Lei das S.A. da Educação.
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propriedade, controle e nacionalidades. Assim, existem aquelas que abriram o capital em bolsa
de valores brasileira
–
BM&Bovespa
5
–
e possuem matriz também no Brasil. Essas companhias,
apesar de terem como investido
res fundos internacionais, são consideradas empresas nacionais,
pois além de ter o capital aberto na bolsa brasileira, também possuem sua matriz em território
nacional. (CALEFFI; MATHIAS, 2017).
Essas grandes empresas, sem exceções do setor de atuação, qu
e se apresentam como
oligopolistas estão completamente inseridas na lógica do
financial capital
, ou seja, o capital de
investimento financeiro que é gerido pelas instituições financeiras, cuja compreensão insere
-
se
da definição do conceito marxiano de capi
tal portador de juros. Isto relaciona
-
se à
finance qua
finance
que representa
processos associados com e resultantes do crescimento espetacular, [...] de
ativos (títulos, ações, derivativos) possuídos por empresas financeiras
(grandes bancos e fundos), m
as também pelos departamentos financeiros das
empresas transnacionais e dos mercados específicos em que operam
(
CHESNAIS, 2016, p. 1 apud
LAPYDA, 2018,
p. 334).
A introdução do setor educacional no mercado financeiro iniciou
-
se com os grupos
educacionais que, no início, não tinham legitimidade nesse campo
6
, o qual é
caracterizado pelas
lutas concorrenciais entre os agentes, em torno de interesses específicos (BOURDIEU, 1983).
Contudo, destaca
-
se que a confiança conquistada no mercado pelos Gr
upos de empresas ou
acionistas de diferentes setores atribui
-
se à gestão realizada por administradores profissionais
que trouxeram das empresas de mercado as contribuições para racionalizar processos e reduzir
custos operacionais, com foco em reproduzir o
capital financeiro de seus investidores, conforme
define Chesnais (1996).
Para o setor educacional não foi diferente. Com a formação dos grupos educacionais,
após a realização de compras e/ou fusões de faculdades, esses estabelecimentos se projetaram
no m
ercado financeiro por meio da
expertise
que seus gestores possuíam com experiências em
outras organizações.
A expansão do ES por meio dos grupos educacionais e da multiplicação de instituições
de médio e pequeno porte impactou diretamente no funcionamento
e na oferta de ensino nas
5
BM&F significa Bolsa de Mercadorias & Futuros. É c
onhecida como
"Bolsa de Valores"
.
6
De acordo com Bourdieu (1983, p.119
-
120), “Os campos apresentam
-
se à apreensão sincrônica como espaços
estrutu
rados de posições (ou postos) cujas propriedades dependem da sua posição nesses espaços e que podem ser
analisadas independentemente das características dos seus ocupantes [...]. Há leis gerias dos campos: campos são
diferentes [...]. [
] . Mas sabemos que
em qualquer campo descobriremos uma luta cujas formas específicas terão
de ser investigadas em cada caso entre o novo que entra e tenta arrombar os ferrolhos do direito de entrada e o
dominante que tenta defender o monopólio e excluir a concorrência”.
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diferentes regiões do país, o que proporcionou a massificação do setor. Isto implica diretamente
na produção de conhecimento, visto que o fator qualidade do aprendizado é deixado de lado
para privilegiar o financeiro. O cenário é
a precarização do ensino tanto para a aquisição de
conhecimento pelos alunos quanto para as condições de trabalho docente oferecidas aos
professores para se inserirem na lógica do capital.
A formação universitária passa a ter uma diferenciação social na
sociedade
contemporânea, sobretudo após a criação de diferentes tipos de IES. Contudo, esse contexto
evidencia também o crescimento de IES privadas com finalidades “puramente”
mercadológicas, caracterizando
-
se como “fábricas de diplomas”, na definição de B
oaventura
de Sousa Santos. O tópico, a seguir, apresenta a relação do valor do diploma de ensino superior
e a cultura do consumo.
Relação entre o consumo e a distinção social do diploma
A cultura se expressa em consumo e, nessa análise, a
educação passa a ser entendida
aqui como um produto disponível na sociedade para ser consumida de acordo com os padrões
sociais, econômicos e signos distintivos dos respectivos alunos que estão materializados na
figura de clientes. Assim, na sociedade capi
talista, os bens de consumo carregam em si
categorias sociais e valores culturais. Trata
-
se de uma “[...] cultura em que os altos padrões de
consumo entram na competição pelo status social diferenciado” (DOUGLAS; ISHERWOOD,
2004, p.
87). Neste contexto, os
autores não se referem à cultura como influência em um tipo
específico de consumo (como as relações de troca das sociedades primitivas de Mauss), mas
como aquilo que podemos denominar cultura do consumo, as quais possuem decisões vitais ao
presente.
De a
cordo com Bourdieu (1994), na sociedade contemporânea, o consumo possui um
valor que é utilizado como signo distintivo perante os seus membros. Assim, é nessa dimensão
homem e cultura dotada de considerável significância que concluímos a discussão como sen
do
a cultura: “[...] um padrão possível de significados herdados do passado imediato, um abrigo
para as necessidades interpretativas do presente” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p. 111).
No que se refere à forma como a cultura de consumo se firma na sociedade,
Pierre
Bourdieu (1994) faz considerações a respeito do discurso e da forma como este se objetiva em
âmbito social. Há, segundo o autor, uma estrutura carregada de símbolos por trás da sociedade
que se pauta no consumo. Por meio de um sistema simbólico, o d
iscurso daquele que pretende
convencer se objetiva para que a cultura consumista possa se firmar.
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Dessa forma, o consumo pode ser entendido como um uso de posses materiais que está
além do comércio e é livre dentro da lei; temos um conceito que viaja extr
emamente bem, pois
é adequado aos usos paralelos em todas aquelas tribos que não têm comércio. Assim, “As
pessoas criadas numa cultura particular veem mudar durante suas vidas: novas palavras, novas
ideias e maneiras. A cultura evolui e as pessoas desempen
ham um papel na mudança. O
consumo e a própria arena em que a cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma”
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p.102
-
103)
O consumo está inscrito na cultura de cada sociedade e, dessa forma, as opções de
consumo espelham julgame
ntos relacionados à moral e ao valor culturalmente apresentados.
Em decorrência dessa relação entre consumo e cultura de determinado grupo, ressalta
-
se que a
função dos bens que vai além destes enquanto necessários para subsistência vem também para
traçar
as relações entre indivíduos e grupos. O ato de consumir não deve ser analisado isolado,
mas associado aos processos sociais como um todo, o que torna os bens a parte visível da cultura
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004).
Nessa perspectiva, por analogia à discussã
o entre consumo e cultura apresentada,
afirma
-
se que a relação entre mercado, diploma e bens na sociedade é marcada por contradições
e valores simbólicos. Enquanto os bens representam a materialidade visível à sociedade, o
diploma apresenta
-
se a partir de
uma dimensão simbólica. A respeito desta afirmação, a citação
a seguir ressalta:
O valor que [os diplomas] recebem no mercado de trabalho depende tão mais
estritamente de seu capital escolar quanto mais rigorosamente codificada for
a relação entre o dipl
oma e o cargo. Ao contrário, quanto mais fluidas e
incertas forem a definição do diploma e do cargo, portanto, sua relação, como
no caso das novas profissões (profissões de representação, etc.), mais espaço
sobra para as estratégias de blefe; mais possibil
idades terão, por exemplo, os
detentores de capital social (relações, hexis corporal, etc.), de obter um
rendimento elevado de seu capital escolar (BOURDIEU; BOLTANSKI, 1998,
p. 134).
Neste sentido, de acordo com Bourdieu (1998), há uma relação entre o di
ploma e o cargo
que pode ser apontada como objeto de uma luta, que acontece dentro de determinado campo,
expressa pelos vendedores de trabalho e suas tentativas de valorizarem seus diplomas e seus
respectivos compradores que aspiram obter, pelo menor preço
, as capacidades garantidas por
esses diplomas.
Douglas e Isherwood (2004) afirmam não ter sentido a própria fala, a menos que essa
seja adequada à informação buscada pelo ouvinte, a partir do entorno do falante
-
espaçamento,
temporalidade, orientação, rou
pas, comida e assim por diante. Isto significa que a cultura, nesse
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Janaina de OLIVEIRA; Natalia CASAGRANDE e Maria Teresa Miceli KERBAUY
Rev.
Sem Aspas
,
Araraquara, v. 11, n. esp. 1, e022022, 2022.
e
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ISSN 2358
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4238
DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v11iesp.1.17520
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contexto, é um padrão possível de significados herdados do passado imediato, um abrigo às
necessidades interpretativas do presente. Diante desta afirmação, pode
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se questionar: qual a
valid
ade do diploma se este não for adequado à informação buscada pelo comprador? Em outras
palavras, qual o valor do diploma caso este não se apresente como eficiente para o comprador
vir a ocupar o cargo ao qual aspira?
Há uma imposição de títulos, caso parti
cular do
efeito de atribuição estatutária,
positiva
(enobrecimento) ou negativa (estigmatização), que todo grupo produz ao fixar os indivíduos
em classes hierarquizadas (BOURDIEU, 2017). O mercado, aproveitando
-
se desta imposição,
vende estes títulos, os q
uais podem não apresentar o efeito simbólico necessário para vir a gerar
a distinção em âmbito mercadológico e social. A sociedade impõe a apresentação do diploma,
mas este nem sempre é cercado pelos símbolos distintivos necessários. Para ilustrar a discus
são,
convém citar a seguinte passagem de Bourdieu (2017, p. 28):
Definidas pelos
títulos
que
as
predispõem
e os legitimam a ser o que são, que
transformam o que fazem na manifestação de uma
essência
anterior e superior
a suas manifestações, segundo o sonho platônico da divisão das
funções
baseadas em uma hierarquia
dos
seres, eles estão separados, por uma diferença
de
natureza, dos simples plebeus da cultura que, por sua vez, estão votados ao
estatuto
, duplamente desvalorizado, de autodidata e de “substituto”.
Dessa forma, os indivíduos que pertencem à nobreza escolar trazem na essência o título
de homens cultos juntamente com a aceitação das exigências que estão inscritas no contexto ao
qual pertence
m de forma implícita de acordo com o prestígio do título
(BOURDIEU, 2017).
Assim, ao estabelecer uma relação entre o diploma e o cargo, o sistema de ensino introduz,
pouco a pouco, todas as profissões
–
mesmo as menos racionalizadas e as mais abandonadas à
pedagogia tradicional
–
no universo hierarquizado do certificado e tende a produzir em razão
do seu movimento natural e estender progressivamente à toda estrutura social. Assim, “a luta
de classificações é uma dimensão
–
mas, sem dúvida, a mais bem oculta
–
da luta de classes”
(BOURDIEU; BOLTANSKI, 1998, p. 144).
Na contemporaneidade, no caso brasileiro, ocorre a massificação na produção de
diplomas, principalmente por meio dos estabelecimentos de educação superior privado que
concebem o ensino como mercadoria e visam somente ao lucro, apresentando
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se similar às
em
presas capitalistas e inserindo os alunos egressos no mercado de trabalho sem a qualificação
mínima necessária para exercerem a profissão escolhida. Em outras palavras, o portador de
diploma é habilitado para exercer a carreira pretendida na sociedade, mas
não possui o
conhecimento/técnica exigido. Para ilustrar essa discussão, recorre
-
se à citação seguinte, que
exemplifica o caso com “o diploma de um engenheiro”, a qual é uma carreira que ocupa lugar
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Uma análise sobre a financeirização do ensino superior e os efeitos da produção do diploma como um signo de distinção social
Rev. Sem Aspas
,
Araraquara, v.
11, n.
esp.
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