EDI

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 1

SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA FORMAÇÃO

DO NUTRICIONISTA: UM OLHAR SOBRE DOCUMENTOS CURRICULARES

LATINO-AMERICANOS

SOBERANÍA Y SEGURIDAD ALIMENTARIA Y NUTRICIONAL EN LA FORMACIÓN

DE NUTRICIONISTAS: UNA MIRADA SOBRE DOCUMENTOS CURRICULARES

LATINOAMERICANOS

FOOD AND NUTRITION SOVEREIGNTY AND SECURITY IN NUTRICIONIST

FORMATION: A LOOK AT LATIN AMERICAN CURRICULAR DOCUMENTS

Gabriel Cunha BEATO1

e-mail: gabrielcbeato@gmail.com

Najla de Oliveira CARDOZO2

e-mail: najla.cardozo@unesp.br

Regina Maria POPELKA3

e-mail: popelka.regina@unesp.br

Maria Rita Marques de OLIVEIERA4

e-mail: maria-rita.oliveira@unesp.br

Como referenciar este artigo:

BEATO, G. C.; CARDOZO, N. O.; POPELKA, R. M.; OLIVEIRA,

M. R. M. Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação

do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-

americanos. Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00,

e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471. DOI:

https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850

| Submetido em: 20/09/2023

| Revisões requeridas em: 11/10/2023

| Aprovado em: 17/11/2023

| Publicado em: 30/12/2024

Editores:

Profa. Dra. Luci Regina Muzzeti

Profa. Dra. Rosangela Sanches da Silveira Gileno

Editor Adjunto Executivo:

Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara – SP – Brasil. Doutor pelo Programa de Pós-Graduação

em Alimentos e Nutrição.

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu – SP – Brasil. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação

em Enfermagem.

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu – SP – Brasil. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem.

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu – SP – Brasil. Docente do Departamento de Ciências

Humanas e Ciências da Nutrição e Alimentação.

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 2

RESUMO: Este trabalho objetificou identificar e analisar conteúdos de Soberania e Segurança

Alimentar e Nutricional (SSAN) em componentes curriculares de cursos de graduação em

nutrição de Instituições de Ensino Superior (IES) da América Latina. Realizado em 2018,

através de pesquisa documental exploratória, referenciada na análise de conteúdo, integrando

abordagem quantitativa e reflexiva. Fizeram parte do estudo 29 cursos de 25 IES e 17 Projetos

Políticos Pedagógicos (PPP). A análise ocorreu a partir das categorias: aderência, coerência,

proporção e posição ao longo do curso, classificadas em escala likert em conceitos A, B e C.

Destes 17 cursos com PPP, as avaliações resultaram em: 53% B, 29% C e 18% A, apontando o

predomínio de pontuações medianas e baixas. A SSAN se mostra distante da visão abrangente,

expressa ou não nos documentos, reforçando a importância dos PPP e que os mesmos sejam

constantemente atualizados, aprofundando coesamente a SSAN em seus componentes

curriculares.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Profissional. Educação Superior. Nutrição.

RESUMEN: Este trabajo tuvo como objetivo identificar y analizar contenidos de Soberanía y

Seguridad Alimentaria y Nutricional (SSAN) en componentes curriculares de cursos de

pregrado en nutrición en Instituciones de Educación Superior (IES) de América Latina.

Realizado en 2018, a través de una investigación documental exploratoria, referenciada en el

análisis de contenido integrando un enfoque cuantitativo y reflexivo. El estudio incluyó 29

cursos de 25 IES y 17 Proyectos Político Pedagógicos (PPP). El análisis se realizó con base

en las categorías: adherencia, coherencia, proporción y posición a lo largo del curso,

clasificadas en escala Likert en conceptos A, B y C. De estos 17 cursos con PPP, las

evaluaciones arrojaron: 53% B, 29 % C y 18% A, indicando predominio de puntuaciones

medias y bajas. La SSAN parece estar alejado de la visión integral, expresada o no en los

documentos, reforzando la importancia de los PPP y que éstos se actualicen constantemente,

profundizando cohesivamente la SSAN en sus componentes curriculares.

PALABRAS CLAVE: Formación Profesional. Educación Superior. Nutrición.

ABSTRACT: This work aimed to identify and analyze Food and Nutritional Sovereignty and

Security (SSAN) content in curricular components of undergraduate nutrition courses at Higher

Education Institutions (HEIs) in Latin America and carried out in 2018, through exploratory

documentary research, referenced in content analysis integrating a quantitative and reflective

approach. The study included 29 courses from 25 HEIs and 17 Political Pedagogical Projects

(PPP). The analysis took place based on the categories: adherence, coherence, proportion, and

position throughout the course, classified on a Likert scale into concepts A, B, and C. Of these

17 courses with PPP, the evaluations resulted in: 53% B, 29% C and 18% A, indicating the

predominance of average and low scores. SSAN appears far from the comprehensive vision,

expressed or not in the documents, reinforcing the importance of PPP and that they are

constantly updated, cohesively deepening SSAN in its curricular components.

KEYWORDS: Vocational Formation. High Education. Nutrition.

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 3

Introdução

No âmbito da Educação Superior, consensos alcançados estabelecem que as instituições

de Educação Superior (IES) têm o dever de proporcionar a formação comprometida com o

humano e tomada como um bem social (Reimers, 2021; UDUAL, 2022). Neste sentido, acordos

realizados no marco das Conferências Regionais de Educação Superior 2008 e 2018 propõem

uma relação ativa das IES com seus contextos, reconhecem e ratificam a adoção de abordagens

que visem conciliar a atenção aos problemas sociais, econômicos e ambientais, promovendo a

redução da fome, da pobreza e da desigualdade, mantendo a biodiversidade e a vida (UDUAL,

2022). Com isso, as IES têm papel estratégico na efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento

Sustentável (ODS) (UNESCO, 2008; UNESCO, 2018). De interesse específico, a formação do

nutricionista se vê comprometida com os ODS ao vislumbrar para além da fome (ONU, 2020)

os sistemas alimentares como elemento transversal a todos os ODS (Fontolan et al., 2022).

Os sistemas alimentares globalizados estão fortemente relacionados ao padrão das

doenças prevalentes na maioria das sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo que têm

afetado os sistemas naturais (Swinburn et al., 2019; Fidalgo, 2020). Este cenário coloca os

sistemas alimentares no centro da discussão e reflete que as formas de produzir, processar,

transportar e consumir alimentos desvincula a produção alimentar dos contextos culturais,

fisiológicos e nutricionais da alimentação (Fakhri, 2021; Cini; Rosaneli, Cunha, 2018). Isto

mostra a necessidade de reorganizar as relações sociais com a natureza e de compreensão dos

processos alimentares a partir de sua complexidade e integralidade. Exige colocar em pauta

central das políticas públicas, a Soberania Alimentar e Segurança Alimentar e Nutricional

(SSAN) e os direitos humanos e ambientais (Cini; Rosaneli; Cunha, 2018).

A SSAN reconhece a produção alimentar como direito dos povos e de autonomia,

defende a alimentação como direito humano básico que deve ser garantido, e propõe uma visão

sistêmica que integra as dimensões ecológicas, econômicas e sociais para o desenvolvimento

sustentável dos povos (Campesina, 1996; Gordillo, 2013). Portanto, é o caminho para garantia

do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), que é o alicerce da Segurança Alimentar

e Nutricional (SAN) (Gordillo, 2013). Para isso, o nutricionista é o profissional que atua em

cenários envolvidos com a SSAN, sendo um ator que pode contribuir numa agenda futura que

contemple as complexidades da nutrição, os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável

(Jacob; Araújo, 2020).

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 4

Todavia, o grau de contribuição no campo da ciência da alimentação e nutrição,

dependerá do processo de formação universitário, que poderá ou não abordar suficientemente

essas questões de SSAN nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) (Hoyos; D´Agostini, 2017;

Lisboa; Fonseca, 2020). Com isso, os planos de ensino das IES podem apontar sobre a qualidade

da formação quanto a abordagem epistemológica e o aprofundamento do tema (Fonseca; Frozi,

2019). A formação profissional do nutricionista é um desafio diante do paradigma da

complexidade, que deve adotar uma visão sistêmica da realidade, clamando por ajustes nos

currículos dos cursos (Wanden-Berghe et al., 2010; Alves; Martinez, 2016). Mas que sofre com

uma prática histórica enraizada em uma epistemologia biologista, que torna um grande desafio

gerar inovações integradoras e holísticas, que abarquem dimensões sociais, políticas,

ambientais, econômicas, culturais da nutrição, exigidas para a atuação no âmbito da SSAN

(Vieira; Leite; Cervato-Mancuso, 2013; Vieira; Cervato-Mancuso, 2015).

Diante do exposto, é imprescindível explorar o currículo de graduações em nutrição

quanto ao conhecimento que se propõe a construir para os futuros profissionais, como e para

onde se orienta esse conhecimento em IES latino-americanas sobre a SSAN (Wanden-Berghe

et al., 2010; Lisboa; Fonseca, 2020). Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi identificar e

analisar os conteúdos de SSAN em componentes curriculares de cursos de graduação em

nutrição de IES da América Latina.

Método

Trate-se de uma pesquisa documental exploratória, referenciada na análise de conteúdo,

tomada como método que proporciona o uso de procedimentos sistemáticos e objetivos para a

descrição e quantificação de conteúdo, mas que também permite a inferência de conhecimentos

a partir da análise narrativa por meio de uma abordagem construtivista e holística de temática

(Piaget, 1970; Polkinghorne, 1995). Esta integração de abordagens quantitativas e qualitativas,

caracteriza-se em um método misto (Tashakkori; Newman, 2010), que pode ser pautado no

pragmatismo ao constituir-se de forma reflexiva (King, 2022), como nesta pesquisa que as

reflexões tomam como referência os documentos internacionais sobre a temática.

A análise de conteúdo se desenvolveu em três etapas fundamentais: pré-análise,

exploração dos dados e informações e sistematização dos resultados. Na pré-análise, foi

realizada a leitura flutuante dos documentos com o propósito de apropriação do conteúdo dos

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 5

documentos e codificação dos trechos relevantes, buscando identificar temas e significados.

Isso permitiu a construção das categorias de análise, que nesta pesquisa remetem a atributos do

currículo, as palavras-chave nortearam a codificação e foram definidas a partir da SSAN e

constructos relacionados.

Foram pesquisadas 25 IES, que juntas conformaram 29 unidades acadêmicas que

ofereciam cursos de Nutrição, selecionadas a partir do ranking internacional das melhores

universidades da América Latina e região do Caribe da Times Higher Education no ano de 2018

(Times-Higher-Education, 2018), sendo utilizado como critério de inclusão de uma amostra por

conveniência. Esta amostra de 25 IES foi definida a fim de se atingir o maior número de países

com universidades presentes no ranking, objetivando ampliar a análise na região latino-

americana, evitando a seleção de universidades de países já elencados no ranking.

A identificação dos documentos ocorreu entre os anos de 2018 e 2020 por meio de uma

busca documental institucional em sites oficiais das universidades. No entanto, em casos de

indisponibilidade dos mesmos, foi necessário solicitar por e-mail às coordenações dos cursos.

Esses documentos consistiram no Projeto Político Pedagógico (PPP) ou equivalente, na grade

ou estrutura curricular, nas ementas dos componentes curriculares e nos programas ou planos

de ensino. A pesquisa de documentos curriculares foi conduzida nas 29 unidades acadêmicas

que oferecem cursos de Nutrição. Dos 29 cursos identificados, apenas 17 forneceram todos os

documentos necessários para uma análise completa. Após a identificação dos 29 cursos e

respectivos documentos, objetos de análise da pesquisa, foram extraídas as informações de

caracterização desses mesmos, incluindo duração, carga horária e condições de oferta.

Antecedendo à leitura reflexiva dos documentos, foram definidas palavras-chave que

definiriam os componentes curriculares que seriam incluídos na análise: Segurança Alimentar,

Segurança Alimentar e Nutricional, Soberania Alimentar, Direito Humano à Alimentação

Adequada e Sistema Alimentar. Estas palavras-chave foram buscadas nos nomes dos

componentes curriculares (disciplinas, estágios e outras atividades curriculares), nas ementas,

nos planos de ensino, e nas bibliografias básicas e complementares. A busca ocorreu nos

idiomas espanhol, inglês e português.

Depois de identificados os componentes curriculares que seriam submetidos à análise,

a codificação a partir da leitura flutuante ocorreu levando em conta a presença de conteúdos

que remetessem às dimensões da SAN: disponibilidade de alimentos adequados ao consumo,

meios de acesso ao alimento, utilização biológica e sociocultural do alimento como comida, a

estabilidade e sustentabilidade dos processos envolvidos, o poder de agência do sujeito de

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

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direito (HLPE, 2020). Para abranger a Soberania e Alimentar, foram considerados conteúdos

relativos ao direito à terra, à semente e formas sustentáveis de produção. A presença de

conteúdos ligados ao DHAA foi identificada a partir de temas voltados ao direito e sua

exigibilidade, além das dimensões da SSAN. O enfoque dos sistemas alimentares foi buscado

a partir da visão sistêmica, englobando desde os sistemas naturais até os impactos do processo

de obtenção e consumo de alimentos na saúde global (HLPE, 2020).

A codificação a partir da leitura flutuante resultou nas seguintes categorias de análise:

aderência, coerência, enfoque, proporção e posição. Essas categorias obtidas por critérios

objetivos e reflexivos, definidas pelos autores no momento da análise de conteúdo, foram

tomadas como indicadores de avaliação dos conteúdos tratados pelo curso, obtidos do conjunto

de conteúdos curriculares e, subsequentemente, foi realizada a classificação dos cursos a partir

desses atributos. Esses indicadores de avaliação/categorias foram expressos em escala Likert,

cuja pontuação variou de 0 a 4 (nenhuma, baixa, média, alta).

O processo de codificação e classificação nas categorias de análise foi sistematizado por

meio uma matriz construída no Excel®. Depois de identificados os componentes curriculares

extraídos, realizadas as codificações e definidas as categorias, as pontuações foram feitas por

um pesquisador e uma pesquisadora em processos independentes. Em uma etapa subsequente,

buscou-se o consenso entre ambos nas pontuações discordantes. Quando não foi possível

alcançar um acordo, uma terceira pesquisadora foi consultada para a decisão final.

Das categorias analisadas, a “Aderência” foi construída a partir de uma análise reflexiva,

com o intuito de identificar o quão alinhados os conteúdos selecionados para análise estavam

aos princípios da Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN). Isso envolve avaliar em que

medida os conteúdos selecionados foram orientados pelos princípios da SSAN, abrangendo

também o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e os sistemas alimentares, tanto

de forma conjunta quanto independente. “A Coerência” refere-se ao encadeamento lógico entre

os elementos do planejamento dos componentes curriculares. Isso implica verificar se há uma

consistência entre as palavras-chave ou códigos de interesse presentes nos nomes das

disciplinas, nas ementas, nos conteúdos e nas bibliografias. A categoria “Proporção” descreve

a relação entre a quantidade de horas que o conjunto de componentes curriculares representa

em relação à carga horária total do curso.

Neste caso, foi decidido não incluir na carga horária os componentes optativos e

eletivos. A carga horária dos componentes curriculares de interesse foi dividida em intervalos

de 5%, seguindo os critérios a seguir: nenhuma pontuação para carga horária inferior a 5%;

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

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nenhuma pontuação: carga horária < 5%; baixa pontuação: carga horária ≥ 5% < 10%; média

pontuação: carga horária ≥ 10% < 15% e alta pontuação: carga horária > 15%. A posição refere-

se à distribuição dos componentes curriculares selecionados para análise ao longo do curso.

Não houve pontuação para os componentes localizados nos primeiros dois anos ou nos quatro

semestres iniciais; baixa pontuação para o terceiro ano ou quinto e sexto semestre; média

pontuação para o quarto e quinto ano do curso ou do sétimo ao décimo semestre; e alta

pontuação para distribuição ao longo do curso.

Com base na pontuação obtida por cada curso, foi possível atribuir conceitos A, B ou C

aos 17 cursos, dos quais foram obtidos documentos suficientes para a análise. Foi atribuído o

conceito A aos cursos que obtiveram entre 3 e 4 pontuações altas, o conceito B aos cursos que

obtiveram pelo menos 2 pontuações médias e o conceito C aos cursos que pontuaram pelo

menos uma vez.

Também foi desenvolvida uma quinta categoria, denominada enfoque, não

classificatória, que se refere à abordagem central dos conteúdos, incluindo Segurança Alimentar

(alimento seguro, inocuidade, contaminação); Segurança Alimentar e Nutricional (acesso,

disponibilidade, utilização, estabilidade, sustentabilidade e agência); Soberania Alimentar

(direito de escolha na produção de alimentos, identidade local, costumes), Direito Humano à

Alimentação Adequada (alimentação como direito humano e base para políticas públicas) e

Sistemas Alimentares (práticas de cultivo, produção, processamento, distribuição e

abastecimento de alimentos, relação com a natureza e recursos naturais, sustentabilidade,

diversidade, agricultura, mercado, a partir de uma visão sistêmica). Ressalta-se que, em alguns

documentos da FAO e para alguns países da América Latina, o termo Segurança Alimentar é

utilizado como sinônimo de Segurança Alimentar e Nutricional, e para efeitos desta pesquisa,

padronizou-se o uso da SAN (FAO, 2017).

Resultados e Discussões

Entre as 25 primeiras IES da AL no ranking da Times Higher Education 2018, que

possuem curso de graduação em nutrição, 15 eram brasileiras, 3 eram chilenas, 2 são eram

argentinas, 2 eram colombianas, 2 eram mexicanas e 1 peruana (Times-Higher-Education,

2018). Deste total, 21 eram instituições públicas de ensino superior e 4 eram instituições

privadas. Das 15 IES brasileiras, 4 possuíam o curso de nutrição em dois Campus, totalizando

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 8

assim 29 cursos analisados, conforme o Quadro 1. Entre os 29 cursos identificados, foi possível

ter acesso a informações de 23 cursos, sendo que 17 apresentavam PPP na íntegra.

Quadro 1 - Identificação das Instituições de Ensino Superior da América Latina com Cursos

de Nutrição incluídas no estudo, a partir do Times Higher Education Ranking-2018

Nº

Instituição de ensino superior

Sigla

País

Setor

Universidade de Campinas

UNICAMP

Brasil

Público

2.1

Universidade de São Paulo, Capital

USP

Brasil

Público

2.2

Universidade de São Paulo, campus de

Ribeirão Preto

USP-RP

Brasil

Público

Pontifícia Universidade Católica do Chile

PUC-Chile

Chile

Privado

Universidade Federal de São Paulo

UNIFESP

Brasil

Público

Universidad de Chile

Uchile

Chile

Público

Universidade Federal de Minas Gerais

UFMG

Brasil

Público

Universidade Federal do Rio Grande do

Sul

UFRGS

Brasil

Público

Universidade Estadual Paulista "Júlio de

Mesquita Filho"

UNESP

Brasil

Público

9.1

Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRJ

Brasil

Público

9.2

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

campus de Macaé

UFRJ-Macaé

Brasil

Público

Universidade Federal de Santa Catarina

UFSC

Brasil

Público

Universidade de Brasília

UNB

Brasil

Público

Universidad de Concepción

Uconcepción

Chile

Privado

Universidad de Antioquia

UdeA

Colombia

Público

14.1

Universidade Federal de Viçosa

UFV

Brasil

Público

14.2

Universidade Federal de Viçosa, campus

de Rio Paranaíba

UFV-RP

Brasil

Público

Universidad Nacional de Córdoba

UNC

Argentina

Público

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UERJ

Brasil

Público

Universidad Autónoma Metropolitana

UAM

México

Público

Universidade Federal da Bahia

UFBA

Brasil

Público

Universidad Nacional de Colombia

UNAL

Colombia

Público

Universidad Nacional de La Plata

UNLP

Argentina

Público

Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul

PUC-RS

Brasil

Privado

22.1

Universidade Federal de Pernambuco

UFPE

Brasil

Público

22.2

Universidade Federal de Pernambuco,

campus de Vitória de Santo Antão

UFPE-VSA

Brasil

Público

Universidade Federal do Paraná

UFPR

Brasil

Público

Instituto Politécnico Nacional

IPN

México

Público

Universidad Peruana Cayetano Heredia

UPCH

Perú

Privado

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 9

As características gerais e disponíveis dos 29 cursos identificados encontram-se no

Quadro 2. A maioria dos cursos (n=13) apresenta carga horária total entre 3.500 e 4.000 horas.

Predominam os cursos criados entre as décadas de 1970 a 1990 (n=9), seguidos dos cursos

criados a partir do ano 2000 (n=7). Já, entre os 17 PPP disponíveis para análise, predominam

(n=10) aqueles com até 5 anos, ou seja, com propostas curriculares relativamente recentes, entre

esses 9 do Brasil e 1 da Colômbia.

Quadro 2 - Características de Cursos de Nutrição selecionados na América Latina, 2022

Curso

Nome do

Curso

Duração

(anos)

Carga

horário

total

Criação

curso

Período

Ano

PPP

UNICAMP

Nutrição

3570

2009

Integral

USP

Nutrição

3555

1939

Matutino e Noturno

2019

USP-RP

Nutrição e

Metabolismo

5430

2003

Integral

2017

PUC-Chile

Nutrición y

Dietética

2012

UNIFESP

Nutrição

4000

2006

Integral

2016

Uchile

Nutrición y

Dietética

Diurno

UFMG

Nutrição

3525

2004

Integral

2017

UFRGS

Nutrição

4,5

3840

1999

Integral

2018

UNESP

Nutrição

3510

1999

Noturno

UFRJ-Macaé

Nutrição

4,5

4500

2009

Integral

2013

UFRJ

Nutrição

3790

1948

Integral

UFSC

Nutrição

4500

1979

Integral

2018

UNB

Nutrição

3510

1976

Integral

2018

Uconcepción

Nutrición y

Dietética

1975

Diurno

UdeA

Nutrición y

Dietética

8208

1972

Integral

2017

UFV

Nutrição

4,5

3525

2010

Integral

2018

UFV-RP

Nutrição

3960

1977

Integral

2013

UNC

Nutrición

4070

1985

Integral

UERJ

Nutrición

4250

1975

Matutino e

Vespertino

2013

UAM

Nutrición

Humana

1982

UFBA

Nutrição

4331

1956

Diurno

2007

UNAL

Nutrición y

Dietética

4,5

7584

1965

Diurno

2014

UNLP

Nutrición

4016

2009

PUC-RS

Nutrição

Vespertino

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 10

UFPE

Nutrição

3570

Matutino e

Vespertino

UFPE-VSA

Nutrição

3525

Matutino e

Verpertino

2012

UFPR

Nutrição

4,5

3840

1979

Integral

2017

IPN

Nutrición

UPCH

Nutrición

6720

PPP: Projeto Político Pedagógico. As células com traço indicam indisponibilidade da informação.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

Nos documentos disponíveis, provenientes de 23 dos cursos, foram identificadas 69 dos

componentes curriculares, os quais apresentavam ao menos uma das palavras-chave de

interesse, identificadas no nome, na ementa, no conteúdo ou na bibliografia, quando tais itens

estivessem disponíveis (Quadro 3). O curso de Nutrição da UNB (Brasil) foi o que apresentou

maior número de componentes curriculares com a presença de palavras-chave de interesse, na

sequência consta a UNC (Argentina) e depois a UFPR (Brasil). Em 5 dos 23 cursos analisados,

as palavras-chave foram identificadas em apenas um componente curricular.

Entre os componentes curriculares analisados, 64 foram caracterizados como

disciplinas, 06 como estágio e/ou prática e 4 não foram identificados quanto ao tipo de

componente. Em relação ao perfil teórico e prático, 12 eram teóricos, 33 eram teórico-práticos,

03 eram práticos e em 27 não havia menção do tipo de componente curricular. Adicionalmente,

em relação à obrigatoriedade dos componentes curriculares, 61 foram definidas como

obrigatórias, 2 como optativas e em 6 componentes não houve menção quanto à

obrigatoriedade.

Quadro 3 - Presença de palavras-chave associadas à Soberania e Segurança Alimentar e

Nutricional nos componentes curriculares de Cursos de Nutrição da América Latina, 2022

CURSO

CC1

CC2

CC3

CC4

CC5

CC6

CC7

CC8

CC9

CC10

Presença de palavras-chave: no nome / na ementa / no conteúdo / na bibliografia

UNB

0/1/-/1

0/1/-/0

0/0/-/1

UNC

0/1/1/1

0/-/1/1

0/1/1/1

0/0/1/0

0/-/1/0

0/0/1/0

0/-/1/-

0/0/0/1

UFPR

0/1/-/-

UFSC

1/1/-/1

1/0/-/1

0/0/-/1

USP

0/1/-/-

UNIFESP

0/1/1/1

0/0/1/-

0/1/0/0

UNICAM P

1/0/-/1

0/0/-/1

UFMG

0/1/-/-

UPCH

1/-/-/-

USP-RP

0/1/0/1

0/0/1/1

UdeA

1/-/-/-

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 11

UFV-RP

0/1/1/1

0/0/0/1

UFRGS

1/1/-/-

UERJ

0/0/-/1

0/1/-/1

UFBA

0/0/0/1

0/0/1/1

UNAL

1/-/-/-

UNLP

0/1/1/-

1/0/0/-

UFPE- VSA

0/1/1/1

0/0/1/1

UNESP

0/1/1/0

UFRJ-Macaé

0/0/-/1

Uchile

1/-/-/-

UFV

1/-/-/-

UAM

0/0/0/1

CC = componte currícular de 1 a 10; 1 = presença de palavras-chave; 0 = ausência de palavras-chave;

(-) = informação indisponível.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

A análise e pontuação feita a partir das categorias já descritas apresta-se no Quadro 4,

assim como os conceitos atribuídos a partir da pontuação atribuída para cada categoria. Três

cursos obtiveram conceito A, 9 o conceito B e 7 o conceito C, conforme o critério estabelecido.

Quadro 4 - Aderência, coerência, proporção e posição dos componentes curriculares

associados à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Cursos de Nutrição, América

Latina, 2022

Curso

Aderência

Coerência

Proporção

Posição

Classificação

atribuída

UNB

Alta

UNC

Alta

USP

Média

Alta

UNICAMP

Baixa

Média

Alta

USP-RP

Nenhuma

Alta

Nenhuma

Média

UFRGS

Média

Nenhuma

Alta

UFSC

Media

Baixa

Alta

UFV

Baixa

Alta

Nenhuma

Média

UFBA

Baixa

Nenhuma

Alta

UFPE-VSA

Baixa

Média

Baixa

Alta

UFPR

Alta

Nenhuma

Média

Alta

UNIFESP

Nenhuma

Baixa

Média

UNESP

Nenhuma

Baixa

UFRJ-Macaé

Nenhuma

Baixa

UdeA

Nenhuma

Baixa

UNLP

Baixa

Nenhuma

Baixa

UPCH

Baixa

Nenhuma

Média

UFMG

Nenhuma

UERJ

Nenhuma

Uchile

Nenhuma

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 12

UFV-RP

Nenhuma

UAMX

Nenhuma

UNColombia

Nenhuma

Obs. As células com traços indicam indisponibilidade da informação para avaliação.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

Os documentos disponíveis permitiram pontuar, segundo os critérios estabelecidos, o

grau de aderência à temática nos componentes curriculares de 23 dos 29 cursos avaliados, sendo

que 10 desses cursos não obtiveram pontuação nessa categoria de indicador, 9 obtiveram

pontuação média ou baixa e apenas 3 obtiveram pontuação alta. Entre esses mesmos cursos, 11

não obtiveram pontuação na categoria coerência, 8 obtiveram pontuação média ou baixa e

apenas 4 foram classificados com pontuação alta.

Dos 29 cursos, foi possível avaliar a proporção da carga horária em conteúdo de SSAN

dos 17 dos quais se dispunha o PPP. Destes, apenas 5 IES possuíam mais de 10% da carga

horária total em componentes curriculares que incluíam conteúdos de SSAN, com destaque

para o curso da USP-RP com 29% da carga horária. A maioria dos cursos esteve entre 0,1% a

8%.

A avaliação da posição dos componentes curriculares ao longo do curso entre os 17 que

se obteve acesso ao PPP, 9 cursos obtiveram pontuação alta por apresentar os conteúdos

distribuídos ao longo do curso, em 4 os conteúdos foram concentravam no final do curso

(pontuação média), 4 no meio (pontuação baixa) e 2 não pontuaram por concentrar os conteúdos

apenas nos primeiros anos.

Entre os 69 componentes curriculares, 18 foram caracterizados com enfoque na SAN,

11 com enforque no DHAA, outros 11 conjugaram SAN e DHAA e, apenas 4 dos cursos

conseguiam articular todos os conteúdos de interesse, promovendo uma visão mais abrangente

da SSAN a partir dos sistemas alimentares. Outros 25 componentes curriculares foram

relacionados a dois ou três temas de interesse, mas não com um foco bem definido. A SSAN

foram temas tratados com mais frequência nos cursos não brasileiros, enquanto a SAN esteve

mais presente nos cursos brasileiros.

Nesta pesquisa, a Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) nos currículos de Nutrição

foi considerada como referência, com o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e

os sistemas alimentares como seus fundamentos. As dimensões desses constructos foram

intensivamente buscadas nos documentos, como evidência de que esses conteúdos de SSAN

haviam sido abordados nos documentos norteadores dos currículos e com qual profundidade.

Para isso, foram criadas categorias de análise e classificação. Os resultados revelaram

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 13

predominância de pontuações baixas ou nulas, indicando que a SSAN ainda precisa ser

aprofundada e conquistar mais espaço nos currículos dos cursos de Nutrição.

Esse achado é consistente com uma avaliação da abordagem da Segurança Alimentar e

Nutricional nos currículos de Universidades Federais brasileiras (Lisboa, Fonseca, 2020). Na

ocasião, foi evidenciado que, embora a maioria das disciplinas estivesse em consonância com

as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) brasileiras em relação ao perfil

esperado para o egresso, a SAN era abordada por um número restrito de disciplinas, indicando

baixa representatividade desses conteúdos em comparação com os demais. Esse dado reforça

os resultados desta pesquisa, uma vez que a maioria dos cursos analisados era brasileira.

As abordagens de SSAN e DHAA, como concebidas hoje, surgiram em 1996 e 1999

(ONU, 1999), enquanto uma abordagem ampla dos sistemas alimentares começou a ser

discutida na agenda 2030 (PNUD, 2015) e publicações subsequentes (HLPE, 2017). Portanto,

era de se esperar uma maior prevalência de Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e

Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) em todos os documentos, com uma

abordagem mais incipiente dos sistemas alimentares, especialmente em documentos mais

recentes. Se observada a idade dos PPP (Quadro 2) e a prevalência de componentes curriculares

que abordam SSAN nos cursos (Quadro 3) é possível constatar que os cursos com PPP mais

recentes apresentam maior número de componentes curriculares de interesse para a pesquisa.

Daí a importância de que os PPP sejam atualizados com frequência.

Entre os 29 cursos avaliados, 65% eram brasileiros e entre os cursos avaliados com

conceitos B, 90% eram brasileiros. Foi realizado um esforço de que as análises não fossem

feitas com lentes brasileiras, utilizando-se como referência documentos supranacionais e,

portanto, não foram consideradas como referência de análise as DCN para os Cursos de

Nutrição do Brasil (Brasil, 2001) e a Política Nacional de Extensão (Brasil, 2018a), mas a

existência desses referenciais no Brasil pode ter contribuído com esse resultado. Assim como a

vocação para a extensão é um ponto forte em Cordoba na Argentina (Beato; Carrizo; Oliveira,

2022).

As DCN para os Cursos de Nutrição vigentes no Brasil durante a pesquisa estavam

voltadas para uma formação humanística e crítica, oferecendo oportunidades para o

desenvolvimento de habilidades e competências voltadas para a SAN, mas isso ainda não foi o

bastante. Pois, se mostram demasiadamente teóricas, rígidas e inflexíveis, não atendendo às

exigências particulares de cada região, instituição ou curso, bem como às demandas sociais,

representando ainda a superação da hegemonia do modelo biomédico e do ensino centrado no

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

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professor (Soares; Aguiar, 2010). No Brasil, em 2018 a SAN entrou no perfil do profissional

adotado pelo Conselho Federal de Nutrição (Brasil, 2018b) e das novas DCN para os cursos de

Nutrição em 2022 (Brasil, 2022).

Em 2012, foi lançado o marco de referência sobre educação alimentar e nutricional pela

Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, destacando a importância da

Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) no papel do nutricionista como educador (Brasil,

2012). Estes documentos, surgidos após a elaboração de muitos Projetos Político-Pedagógicos

(PPP), carregam consigo a intenção de avançar no processo de um ensino mais contextualizado

em seu tempo, contribuindo potencialmente para uma maior inserção da SSAN nos currículos,

ainda considerados fragmentados e tecnicistas (Neves; Sousa; Vasconcelos, 2014). Reforçando

essa premissa, na cidade de São Paulo, Brasil, em 2013, coordenadores de Cursos de Nutrição

e Nutricionistas da Atenção Primária à Saúde reconheceram a importância dos conteúdos de

Segurança Alimentar e Nutricional nos currículos de Nutrição e a limitação da formação

caracterizada como tecnicista e desarticulada da prática (Vieira; Cervato-Mancuso, 2015).

A fragmentação encontrada nos currículos, não é diferente da fragmentação que ainda

existe entre nas políticas públicas correlacionadas à SSAN. O currículo e a gestão pública têm

sido compartimentalizados e isso ocorre na contramão das políticas de SSAN, que já se tem

comprovado a intersetorialidade e a participação social como elementos estruturantes (Brasil,

2001). Isso também está na contramão de paradigma da complexidade, no qual uma visão

sistêmica e interdisciplinar da realidade se faz necessária para compreender os sistemas

alimentares em constante transformação e interação com os demais sistemas humanos e naturais

(Morin, 1991).

Considerando que os componentes curriculares relacionados à alimentação e nutrição

na saúde pública/coletiva são os que mais se propõem a dialogar com a SSAN na sua

complexidade, há que se ampliar os espaços para esses componentes curriculares ou outros que

contribuam na formação de profissionais com capacidade de análise dos problemas alimentares

e nutricionais, considerando o contexto histórico-político-econômico-demográfico-ambiental e

epidemiológico (Costa, 1999; Alves; Martinez, 2016; Jacob; Araújo, 2020; Lisboa; Fonseca,

2020). É preocupante observar que apenas 5 dos 17 cursos dos quais se teve acesso a essa

informação apresentavam mais que 10% da carga horária em componentes que conversam com

a SSAN. No Brasil, a curricularização da extensão preconiza que ao menos 10% da carga

horária do currículo seja destinada às atividades de extensão (Brasil, 2018a). Isso denota que

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 15

muitos cursos brasileiros ainda não se adequaram a essa normativa do Ministério da Educação

(Brasil, 2018a).

Ainda considerando a formação e o perfil do profissional, é necessário levar em conta

as pressões exercidas pelo mercado em direção a uma abordagem tecnicista, em contraposição

às habilidades e competências necessárias para atuar no contexto da Segurança Alimentar e

Nutricional (SSAN). Essas habilidades estão relacionadas a uma abordagem humanística, à

integração da teoria com a prática, à educação crítica e emancipadora, ao trabalho

interprofissional, intersetorial e interdisciplinar, e à reflexão sobre questões públicas. Portanto,

o alinhamento da formação do nutricionista com os desafios presentes e futuros da área de

SSAN exigirá uma reflexão profunda sobre seu papel social e sua inserção nas políticas e

programas públicos (Recine et al., 2012). Esse debate torna-se ainda mais relevante nas

instituições públicas quando se considera a quem o ensino superior público está a serviço,

especialmente no caso de instituições subsidiadas ou gratuitas.

O processo reflexivo e participativo é elemento primordial para a construção dos PPP e

para o planejamento pedagógico (Freire, 1997). Com base nas inconsistências identificadas por

meio das categorias de análise consideradas neste estudo, pode-se inferir a falta de

aprofundamento da Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) como um tema transversal nos

documentos orientadores dos currículos, considerando as tendências paradigmáticas e

epistemológicas atuais para o ensino de Nutrição. Para que essa integração seja alcançada, é

necessário iniciar um processo reflexivo e participativo.

A apropriação e o desenvolvimento de propostas abrangentes só acontecem por meio da

participação como um processo contínuo e significativo (Neves; Sousa; Vasconcelos, 2014). A

interdisciplinaridade e as ações interprofissionais são elementos estruturantes necessários para

que educador e educando estejam em constante aprendizado, superando a percepção do

acúmulo das informações, articulando rigor científico teórico com o contexto social em prática

(Recine et al., 2014). Contudo, há que se considerar que nesta pesquisa, o objeto de análise não

é flexível à análise do processo, mas sim um recorte transversal resultante de um processo

elaboração. Não há como fazer inferência sobre a qualidade desse tipo de processo no interior

dos cursos analisados. Seja como for, uma pesquisa que se propõe falar da formação superior

em Nutrição não pode deixar de colocar em destaque a importância da ação planejada,

participativa e contextualizada na realidade para fazer frente aos atuais desafios.

Na América Latina, é crucial que os nutricionistas compreendam que a crise da

Insegurança Alimentar deriva de uma perspectiva histórica na qual as fontes alimentares

Soberania e segurança alimentar e nutricional na formação do nutricionista: Um olhar sobre documentos curriculares latino-americanos

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

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globalizadas crescentemente resultaram em mudanças na alimentação e em um aumento

gradual do excesso de peso, sem uma redução significativa da fome. Essa situação é agravada

pela crise sanitária da COVID-19 (Fidalgo, 2020; Sousa; Ditterich; Melgar-Quiñonez, 2021).

Atuar no contexto da SSAN requer visão sistêmica, sob uma abordagem humanística,

na perspectiva dos direitos humanos e da sustentabilidade. Isso requer revisão de diretrizes e

práticas pedagógicas (Oliveira et al., 2012; Neves; Araujo; Vasconcelos, 2014). Itens tais como

as metodologias de ensino-aprendizagem e as tecnologias educacionais, as atividades

extracurriculares, a inserção local e global do curso, deveriam ser levados em consideração

numa avaliação das SSAN nos currículos (Neves; Araujo; Vasconcelos, 2014; Recine et al.,

2014) o que a natureza desta pesquisa não permitiu. A vivência universitária, em conjunto com

os currículos propostos, paralelos e ocultos, ajudam a moldar diferentes perfis de universitários.

Em um cenário pós-pandemia, uma avaliação de componentes curriculares de Cursos

de Nutrição não pode desconsiderar o papel social da Universidade, em especial, as públicas,

caso da maioria dos cursos analisados (Santos, 1996). A pandemia escancarou os determinantes

estruturais da fome e o abismo que existe entre os detentores dos meios de produção e a elevada

parcela de excluídos (Lizarraga; Pereira, 2022).

A formação do Nutricionista encontra-se intrinsecamente comprometida com a

superação das desigualdades estruturais existentes na América Latina. Um elemento que pode

atuar a favor, se bem aproveitado, vem das tecnologias de informação, as quais permitem acesso

mais rápido ao conhecimento e possibilidade de trocas e interações em qualquer distância,

embora ainda dentro das universidades o acesso à internet seja problema para muitos estudantes

e pesquisadores (Costa; Zancul, 2020; Nava-González et al., 2023).

De qualquer maneira, as tecnologias da informação, incluindo aqui a inteligência

artificial, deverão ser objeto de reflexão nas inovações curriculares doravante construídas. O

desenvolvimento da cultura de uso das tecnologias de informação, em decorrência da

necessidade imposta pela pandemia, poderá impulsionar a retomada da discussão sobre

parâmetros e diretrizes curriculares para os cursos de nutrição da América Latina, como já foi

debatido no passado (Costa, 1999; Toloza, 2003; Vasconcelos et al., 2019) e representar um

ganho para todos.

Por fim, esta pesquisa destacou a importância da elaboração e divulgação do Projeto

Político Pedagógico (PPP) dos Cursos de Nutrição, uma vez que a falta de itens identificados

nos documentos selecionados para a pesquisa ou sua não divulgação pelas Instituições de

Ensino Superior (IES) limitaram as análises. Além disso, evidenciou-se a necessidade de uma

Gabriel Cunha BEATO; Najla de Oliveira CARDOZO;Regina Maria POPELKA e Maria Rita Marques de OLIVEIERA

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 1519-9029

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atualização constante dos PPPs para os cursos poderem acompanhar o ritmo histórico e

contribuir de forma significativa para a transformação social. A pesquisa também apontou para

a importância de um maior aprofundamento e apropriação dos conteúdos, visando tornar os

documentos mais assertivos e coerentes. Um PPP eficaz deve ser elaborado com base no perfil

profissional desejado, contemplando componentes e conteúdos curriculares adequados às

habilidades e competências necessárias para atender a esse perfil. Deve adotar uma visão

sistêmica e humanista, refletindo a aderência ao tema, coerência na construção dos documentos

e garantindo espaço suficiente para a temática, que deve ser tratada de forma equilibrada. A

construção de um PPP dessa natureza requer ação reflexiva e uma forte inserção na realidade

local e global.

Considerações finais

Os resultados deste trabalho refletem uma postura epistemológica distante de uma visão

sistêmica e abrangente da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional nos documentos

analisados e enfatizam a importância de Projetos Políticos Pedagógicos e dos mesmos serem

constantemente atualizados e aprofundados na temática em seus componentes curriculares.

Destaca-se, ainda, que é necessário que estas atualizações e discussões sejam propostas a partir

da ação reflexiva e participativa da comunidade acadêmica e da sociedade, de maneira ampla.

Sugere-se que novos estudos investiguem um cenário mais amplo dos países latino-

americanos, abrangendo tanto as universidades públicas quanto as particulares, que possuem

diferentes propostas curriculares para o ensino de nutrição e para os temas da soberania e

segurança alimentar e nutricional.

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CRediT Author Statement

 Reconhecimentos: Agradecimentos à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquisa

Filho” - UNESP, ao Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação para Soberania e Segurança

Alimentar e Nutricional da UNESP – INTERSSAN, a Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico (CNPQ).

 Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de

Financiamento 001.

 Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse por parte dos autores.

 Aprovação ética: Devido a sua natureza, o presente trabalhou não necessitou de aprovação

ética para ser realizado.

 Disponibilidade de dados e material: Os dados e materiais utilizados no trabalho estão

em arquivos eletrônicos e disponíveis para acesso mediante requisição.

 Contribuições dos autores: Gabriel Beato foi responsável pela pesquisa de campo, coleta

de dados, análise e interpretação dos dados e redação do texto. Najla Cardozo contribuiu

com a redação e revisão do texto, Regina Popelka contribui com a redação e revisão do

texto e Maria Rita Oliveira realizou orientação do trabalho, coleta de dados, interpretação

dos dados e redação e revisão do texto.

Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.

Revisão, formatação, normalização e tradução.

EDI

Temas em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-ISSN: 2526-3471

DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850 1

FOOD AND NUTRITION SOVEREIGNTY AND SECURITY IN NUTRICIONIST

FORMATION: A LOOK AT LATIN AMERICAN CURRICULAR DOCUMENTS

SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA FORMAÇÃO DO

NUTRICIONISTA: UM OLHAR SOBRE DOCUMENTOS CURRICULARES LATINO-

AMERICANOS

SOBERANÍA Y SEGURIDAD ALIMENTARIA Y NUTRICIONAL EN LA FORMACIÓN

DE NUTRICIONISTAS: UNA MIRADA SOBRE DOCUMENTOS CURRICULARES

LATINOAMERICANOS

Gabriel Cunha BEATO1

e-mail: gabrielcbeato@gmail.com

Najla de Oliveira CARDOZO2

e-mail: najla.cardozo@unesp.br

Regina Maria POPELKA3

e-mail: popelka.regina@unesp.br

Maria Rita Marques de OLIVEIERA4

e-mail: maria-rita.oliveira@unesp.br

How to reference this paper:

BEATO, G. C.; CARDOZO, N. O.; POPELKA, R. M.; OLIVEIRA,

M. R. M. Food and nutrition sovereignty and security in nutricionist

formation: A look at Latin American curricular documents. Temas

em Educ. e Saúde, Araraquara, v. 19, n. 00, e023017, 2023. e-

ISSN: 2526-3471. DOI: https://doi.org/10.26673/tes.v19i00.18850

| Submitted: 20/09/2023

| Revisions required: 11/10/2023

| Approved: 17/11/2023

| Published: 30/12/2023

Editors:

Prof. Dr. Luci Regina Muzzeti

Prof. Dr. Rosangela Sanches da Silveira Gileno

Deputy Executive Editor:

Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz

Sao Paulo State University (UNESP), Araraquara –SP – Brazil. Doctoral degree in Food and Nutrition

Postgraduate Program.

Sao Paulo State University (UNESP), Botucatu – SP – Brazil. Doctoral degree student in Nursing Postgraduate

Program.

Sao Paulo State University (UNESP), Botucatu – SP – Brazil. Master's student in Nursing Postgraduate Program.

Sao Paulo State University (UNESP), Botucatu – SP – Brazil. Faculty member of the Department of Human

Sciences and Nutrition and Food Sciences.

Food and nutrition sovereignty and security in nutricionist formation: A look at Latin American curricular documents