CHAMADA DE ARTIGOS PARA DOSSIÊ: “Materialidades e estéticas religiosas: o papel dos objetos na produção de éticas devocionais e processos de subjetivação”

03/04/2023

Organizadores

Bruno Ferraz Bartel 

Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Bolsista de Pós-doutorado Júnior do CNPq. Integrante do Instituto de Estudos Comparados em
Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC) e do Núcleo de Estudos do Oriente
Médio (NEOM). Pesquisador associado ao Centro em Rede de Investigação em Antropologia
(CRIA-NOVA FCSH, Portugal) e membro do Centro de Estudios de Diversidad Religiosa y
Sociedad (UNR, Argentina). Atua principalmente nos seguintes temas: Ritual e Simbolismo
(performance e subjetivação) e Antropologia da Religião (Islã). Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAnt) da Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4565662822452513

 

Maria Gleiciane Fontenele Pereira

Mestranda em Antropologia do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal do Piauí (UFPI).
Integrante do projeto de pesquisa “Religião, Espaço Público e Práticas Devocionais:
comunidades e instituições religiosas na América do Sul e no Norte da África” do
PPGAnt/UFPI. Atua principalmente nos seguintes temas: Antropologia da Religião
(Catolicismo e Umbanda) e Ritual e Simbolismo (Cartomancia)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6447247561458270

 

Apresentação

A organização do dossiê é inspirada nos estudos sobre religiosidade e espaço público,
tendo como objeto de investigação as diversas formas e expressões dessa questão nos contextos
latino-americanos onde a dimensão religiosa adquire relevância. Será dada particular atenção à
emergência de materialidades devocionais no espaço público, assim como os usos e os sentidos
atribuídos aos objetos pelos diversos agentes sociais. Pretendemos reunir etnografias que
procuram dar foco tanto no inculcamento das disposições e dos comportamentos considerados
como “corretos” ou virtuosos quanto na presença de técnicas disciplinares que realçam os
conhecimentos e as capacidades éticas dos sujeitos por meio de sua submissão às experiências
sensoriais.

Esses estudos são importantes para demonstrar como os “processos de modernização”
possibilitam o cultivo renovado de sensibilidades éticas tradicionais e/ou práticas de autoridade
em distintas religiões. Ambas as perspectivas lidam com uma problemática que vem ganhando
espaço nas recentes discussões antropológicas: o desenvolvimento de uma abordagem material
da religião.

A reflexão sobre o papel dos artefatos e os significados das coisas marcaram um
percurso de longa data na Antropologia. Até aqui, o foco tem sido direcionado às implicações
advindas da materialidade dos objetos e o dualismo existente entre o que pensamos ser uma
“coisa” em oposição a uma “pessoa” (Appadurai, 1990; Miller, 1994). Atualmente as
etnografias têm se dedicado à reflexão sobre a categoria “religião” (Asad, 1993) deslocando
foco para o entendimento mais claro do status atribuído às palavras, coisas ou imagens a partir
da escolha de uma tradição religiosa historicamente situada.

Tomamos, primeiramente, como ponto de partida a noção de “forma sensorial”
desenvolvida por Birgit Meyer (2006). Segundo a autora, as formas sensoriais se referem aos
“modos relativamente fixos para invocar e organizar o acesso ao transcendental, oferecendo
estruturas de repetição que criam e sustentam conexões entre crentes no contexto de regimes
religiosos específicos” (Meyer, 2015: 151). Essas formas seriam transmitidas e partilhadas
pelos adeptos, uma vez que elas os envolveriam em práticas específicas de adoração, além de
desempenharem um papel central na modulação deles como sujeitos, sobretudo, a partir de suas
comunidades morais religiosas.

Outro exemplo é a noção de “ideologia semiótica”, trabalhada por Webb Keane (2007).
Para ele, a compreensão das diferentes formas pelas quais as pessoas interpretam o poder e o
valor dado aos objetos e às palavras deve englobar os “conjuntos de crenças sobre linguagem
articulados pelos usuários como a racionalização ou justificação do uso e da estrutura da
linguagem percebidos” (Keane, 2007: 16). Nessa concepção, as “ideologias semióticas”
identificariam as categorias significantes de signos atuantes e definiriam as suas relações com
a realidade de maneira muito particular a partir da organização do mundo material.

As duas noções dão ênfase à mediação feita pela religião nos processos sociais que
moldam e autorizam a validade das experiências sensoriais. Nesses casos, o contexto torna-se
referenciado pela religião que atua como um meio. Embora permitam avançar na compreensão
das práticas devocionais, elas não dão conta dos processos de subjetivação contidas no valor
estético dos objetos religiosos, que vão além das experiências sensoriais.

Por muito tempo, a categoria “estética” esteve subordinada ao que se convencionou
denominar “modernismo” na Antropologia, associada à noção de arte burguesa (Overing,
1996). A problemática de como os sujeitos se sentem em relação ao mundo, diferentemente do
que pensam ou refletem a respeito dele, continua a evocar uma dicotomia entre emoção e razão,
subjacente e constantemente atualizada pela “constituição moderna” (Latour, 1994: 19). Nesse
sentido, a análise das propriedades e eficácias dos elementos das práticas devocionais ampliaria
a compreensão do “poder estético” (Gow, 1996: 221) ou da objetificação – “um modo como
incrementamos nossa capacidade como seres humanos” (Miller, 2010: 91) – como um
constructo histórico-cultural importante na invenção de realidades específicas. O conjunto
dessas experiências de religiosidade no espaço público são um dos principais elementos de
formação de subjetivações.

Diante disso, esta chamada convida à submissão de artigos de natureza etnográfica
interessados nas interconexões, convergências e sobreposições entre as dimensões materiais e
estéticas. São bem-vindos estudos que proporcionem um espaço de reflexão sobre os processos
pelos quais crenças ou práticas específicas se tornam questões fundamentais a partir do
reconhecimento destas como fundamentais no reavivamento de por exemplo, subjetividades,
agências e motivações, bem como trabalhos que analisem como grupos religiosos produzem e
mobilizam sujeitos.

 

Referências bibliográficas

APPADURAI, Arjun. “Introduction: commodities and the politics of value”. In: The social life
of things. Commodities in cultural perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
p. 3-63.
ASAD, Talal. Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and
Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1993.
______. Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford, CA: Stanford
University Press, 2003.
GOW, Peter. “Against the Motion (2). Aesthetics is a cross-cultural category”. In: INGOLD,
Tim (ed.). Key Debates in Anthropology. London: Routledge, 1996. p. 203-236.
KEANE, Webb. Christian moderns. Freedom & fetish in the mission encounter. Berkeley:
University of California Press, 2007.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. Rio de Janeiro:
Ed.34, 1994.
MEYER, Bridget. Religious sensations. Why media, aesthetics and power matter in the study
of contemporary religion. Inaugural lecture, VU University, 2006.
______. Mediação e imediatismo: formas sensoriais, ideologias semióticas e a questão do
meio”. Campos - Revista de Antropologia Social, Curitiba, v.16, n. 2, p. 145-164, 2015.
MILLER, Daniel. “Artefacts and the meaning of things”. In: INGOLD, Tim (Ed). Companion
Encyclopedia of Anthropology, London: Routledge, 1994. p. 396-419.
______. “Teorias das coisas”. In: Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura
material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 66-118.
OVERING, Joanna. “Against the Motion (1). Aesthetics is a cross-cultural category”. In:
INGOLD, Tim (ed.). Key Debates in Anthropology. London: Routledge, 1996. p. 203-236

 

Envio de artigo: até 30/06/2023


Previsão de publicação: Nº 36 da Revista, referente ao primeiro semestre de 2024.