in Revista on line de Política e Gestão Educacional
A GESTÃO EDUCACIONAL E OS REFERENCIAIS COGNITIVOS E NORMATIVOS EM POLÍTICA PÚBLICA
Resumo
O objetivo deste estudo visa compreender a matriz cognitiva e normativa construída pela dinâmica das interações entre os agentes envolvidos com as ações educacionais a partir de um referencial representado por Planos de Educação. Trata-se de uma pesquisa do tipo empírica e indutiva utilizando o referencial teórico de análise cognitiva de políticas públicas na perspectiva da ação pública. O estudo mostrou que a gestão educacional pode ser compreendida como espaço dinâmico que se movimenta por eixos que determinam as tomadas de decisões formando uma estrutura constituída por: agentes, processos de mobilização de recursos, repertório de ação, representações, instituições e resultados.
Main Text
Introdução
Esse estudo apresenta o extrato de uma tese de doutorado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação Escolar no campus da Universidade Estadual Paulista, Unesp de Araraquara-SP, a partir de uma nova visão de análise de políticas públicas educacionais, apresentada pelo Professor Doutor Sebastião de Souza Lemes, na disciplina de “Fundamentos de Análise Cognitiva de Política Pública: a decisão, instrumentação e regulação da educação” realizada no primeiro semestre de 2017. Trata-se de uma pesquisa do tipo empírica e indutiva utilizando o referencial teórico para análise cognitiva de políticas públicas na perspectiva da ação pública, desenvolvida pelos franceses Pierre Muller, Yves Surel (2002), Pierre Lascoumes e Patrick Le Galès (2012b), buscando explicar a dinâmica de interações entre os agentes públicos, políticos e sociais envolvidos com a educação municipal.
Percebe-se que os municípios como entes federados autônomos, historicamente, vêm procurando organizar os seus sistemas de ensino a partir da democratização do país visando garantir a qualidade da educação. Sendo a gestão educacional responsável por garantir os princípios democráticos capaz de mediar as controvérsias presentes nos espaços de debates que buscam interferir nas agendas de ações das secretarias de educação e na formulação de políticas educacionais.
Segundo Barroso (2006, p. 13), os modos de regulação de um sistema de ensino, postos em prática pelas autoridades educativas, reúnem um “conjunto de mecanismos de orientação, coordenação, controle das ações, das instituições, dos profissionais dentro do sistema educacional”, determinadas pelas interações dos grupos, dos agentes envolvidos nos processos decisórios.
Compreender esse conjunto de mecanismos decorrente das interações produzidas entre os agentes que atuam no sistema público de ensino e no processo de execução da política que se instituiu com a implantação do plano municipal de educação, impulsionado pelo Plano Nacional de Educação, é uma necessidade no campo das pesquisas educacionais, do ponto de vista da análise cognitiva.
O processo dinâmico de interações entre agentes, é o que caracteriza a ação pública, pois a política pública, quando posta em ação, envolve colocar em jogo as representações globais referentes às crenças, paradigmas e referenciais. Assim, segundo Lascoumes e Le Galès (2012b), a análise da ação pública pode ser realizada a partir de cinco elementos interrelacionados: os agentes (ou atores), os processos, as instituições, as representações e os resultados.
Muller e Surel (2002) postulam que as representações globais presentes na forma de pensar de agentes formam um sistema de significados que são adotados como referência, a qual orienta os seus posicionamentos, frente à resolução dos problemas públicos. Desse processo de interações resulta a elaboração de instrumentos compreendidos como “instituição”, os quais estão relacionados a regras, normas e procedimentos, a sequências de ações coordenadas e obrigatórias, que governam as interações entre indivíduos do sistema para a construção de novas regulações. Os efeitos da ação pública, nesse sentido, durante e após a dinâmica de interações, geram “resultados”.
Segundo Lemes (2016), as ideias e as representações dos agentes que atuam nos órgãos administrativos da educação são parte do processo de interação entre eles, tornando-se fatores determinantes para construção de uma matriz cognitiva e normativa, que se caracteriza nos instrumentos de regulação. A interação entre esses atores é permeada por recursos e repertórios de ação, o que os autores chamam de “capacidade de agir” e “exercício do poder”, dentro e fora do âmbito político-administrativo (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012a). O conceito de matriz cognitiva e normativa foi definido por Muller e Surel (2002), o qual se assenta em outros três modelos conceituais definidos por Jobert e Muller (1987), Hall (1993), Sabatier e Jenkins-Smith (1999): referencial, paradigma e advocacy coalition (sistemas de crenças).
Dessa maneira, a matriz cognitiva e normativa relacionada às estratégias do plano municipal de educação, que se agrupam de acordo com os níveis de percepção, está em construção pelos agentes envolvidos no processo de execução das ações. Significa que as fases de formação da matriz cognitiva e normativa funcionam em movimento cíclico girando em torno dos problemas, quando há um debate ocorre o que Muller (2005) chama de problematização, dispositivo de estimulação, estabilização e mobilização de repertórios de ação.
Nesse sentido, a ação pública nos sistemas públicos de ensino é produtora de ordem e fruto da dinâmica de interações entre diversos agentes com estruturas cognitivas diferentes e se respalda em referenciais. Consolida-se por meio dos instrumentos por ser um dispositivo organizador das relações sociais específicas entre o poder público e seus destinatários, em função das representações e significados que ele carrega (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012a).
Portanto, estudar instrumentos permite analisar o poder político em exercício, a autoridade e o poder dos agentes, pois “cada instrumento é, por isso, uma forma condensada de saber sobre o poder social e as formas de exercê-lo” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012a, p. 202). Cada instrumento tem um caráter diferente, identificável pelo grau de coercitividade, automatismo e visibilidade, uma vez que “os instrumentos não são neutros e produzem efeitos específicos, independentes dos objetivos visados, que estruturam, segundo a sua própria lógica, a ação pública” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012a, p. 181).
As regularidades provocadas por esses instrumentos moldam os comportamentos dos agentes públicos e sociais, as quais são obtidas pelas matrizes cognitivas e normativas. Ou seja, o instrumento da ação pública como instituição tem uma dimensão regulamentar, normativa e cognitiva. O sistema público de ensino é formado pelo conjunto de escolas, implicando definir princípios, diretrizes e normas organizacionais, pedagógicas e curriculares.
As diretrizes organizacionais, instrumentos normativos, são portadores de intencionalidades, ideias, valores, atitudes e práticas (matriz cognitiva e normativa) que vão influenciar os modos de pensar dos agentes na configuração de suas práticas. Os agentes podem aderir, resistir ou dialogar com elas e formular, de forma colaborativa, novas propostas.
Portanto, a mudança de paradigma evocada por um referencial implica a construção e a utilização de instrumentos que permitam a tradução do texto político para a aplicação na prática.
A relação entre dois referenciais: o plano nacional e municipal de educação
O plano nacional de educação é entendido, neste estudo, como o referencial global, devido a sua abrangência para alcançar o ideal de uma educação de qualidade que alcance a todos os cidadãos. Para seu sucesso, é essencial a articulação entre os sistemas de ensino, federal, estadual e municipal, e a participação da sociedade na sua discussão, monitoramento e avaliação.
As diretrizes, metas e estratégias determinadas pela Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), direcionam as políticas educacionais a serem desenvolvidas no âmbito local. As metas desse referencial global estão estruturadas em quatro eixos: 1) garantia do direito à educação básica com qualidade (universalização da alfabetização e ampliação da escolaridade e das oportunidades educacionais); 2) redução das desigualdades e valorização da diversidade e da equidade; 3) valorização dos profissionais da educação; 4) educação superior. Estas metas mostram que a gestão democrática e o financiamento da educação são as dimensões articuladoras da instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE). A ideia de construir um plano municipal de educação se consolidou com a aprovação desse referencial quanto ao dever de elaborar ou adequar os planos estaduais e municipais de educação, em consonância com as suas diretrizes, metas e estratégias.
Assim, para compreender essa dinâmica de construção das ações educacionais é necessário compreender a perspectiva adotada de ação pública e não de política pública, para se referir ao processo de desenvolvimento do plano municipal de educação.
Ação pública
O uso do termo “ação pública” é decorrente da mudança de perspectiva para o estudo de políticas públicas. As políticas públicas sempre foram um dos grandes paradigmas das Ciências Sociais para análise e compressão dos processos de regulação de todas as sociedades. Yves Mény e Jean-Claude Thoenig (1989, p. 129) definiram políticas públicas como “o produto da atividade de uma autoridade investida de poder, legitimidade pública e governamental”. Com essa definição, sua análise foi gradativamente separada da ciência administrativa, para se integrar às abordagens da ciência política.
Historicamente, os modelos de análise das políticas públicas surgiram com a modernização das sociedades nacionais e industriais, tendo o Estado como modelo político específico. O Estado hoje passa a ser substituído pelo capitalismo, que impõe necessidades de novas formas de regulação (BARROSO, 2006; COSTA, 2015; LEMES, 2016). As empresas e as instituições financeiras se desenvolveram, em decorrência da mundialização, de tal forma que interferem nas políticas públicas. Nesse sentido, a expressão “política pública” tem sido substituída por “ação pública” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012b). Os atores envolvidos na ação pública são pessoas físicas ou jurídicas que atuam nas tomadas de decisões, e são os agentes capazes de desenvolver estratégias que modificam e aprimoram as ações.
Nesse sentido, a ação pública se aplica na atuação da administração pública e dos agentes públicos, políticos e sociais que agem conjuntamente em busca da garantia dos direitos sociais. Lascoumes e Le Galès (2012b, p. 39) afirmam que a sociologia da ação pública é ainda uma sociologia política que se interessa pela articulação das regulações sociais e políticas, pelos conflitos, recursos financeiros, atividades políticas e pelas questões de legitimidade dos atores, sobretudo dos servidores públicos, dos governos e dos governantes.
A transferência de novos poderes para as autoridades locais descaracteriza a ação do Estado centralizado. Esta evolução leva a uma multiplicação e diversificação dos atores envolvidos na formulação de políticas para cada autoridade local (LE GALÈS, 2003). Então, as políticas públicas em ação passam a ser entendidas como construção da realidade, não se destinam a resolver problemas que estão fora delas, mas são processos que constroem estruturas de inteligibilidade, visões de mundo, sistemas de crenças e referenciais para solução de problemas.
Pensando assim, os agentes públicos e políticos desenvolvem argumentos, em competição, procurando definir um problema por meio de uma linguagem que corresponda aos seus valores, crenças, interesses, posições e características organizacionais. Dessa forma, a política pública ficou restrita apenas à intervenção do Estado, a ações governamentais e à atuação das autoridades, pois o modelo clássico de se conceber políticas públicas está ultrapassado, em decorrência das interações entre os agentes públicos, políticos e sociais e dos atores, que participam nas diversas instituições, organizações, que interferem na agenda e na execução de projetos sociais (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012b).
Muller (2004) sublinha que a administração pública nunca será uma empresa, mas estamos na presença de uma forma de banalização do estado, e para ele o quadro cognitivo e normativo em que a ação pública é pensada está mudando: a noção de poder público torna-se um conceito incomum e o de serviço público cada vez mais justificado pela combinação eficiência/eficácia, critério de referência para avaliação de administrações.
Referencial cognitivo e normativo como perspectiva de mudança
O plano municipal de educação se constitui como uma política pública entendida como instrumento da ação pública, que concentra princípios, estratégias, ações e mobilizações, formando uma norma de ação; trata-se do referencial cognitivo e normativo para o desenvolvimento do processo de escolaridade (LEMES, 2016). Ele é normativo por sua estrutura legal, pois é constituído por um conjunto de normas que dão sentido aos programas da ação pública, define os critérios de seleção e métodos de designação de objetivos. É ao mesmo tempo um processo cognitivo baseado em um diagnóstico que permite compreender o real (limitando sua complexidade) e um processo determinante, de forma a permitir agir sobre o real (MULLER; SUREL, 2002).
O conceito de referencial faz parte da análise cognitiva de políticas públicas, na perspectiva da ação pública desenvolvida na França nos últimos vinte anos. As políticas públicas, de acordo com essa abordagem, não são apenas espaços onde os atores se confrontam de acordo com seus interesses, mas são também o lugar (o referencial) onde determinada sociedade constrói sua relação com o mundo, sendo possível, por meio delas, compreender as representações e atuar na realidade como ela é percebida (MULLER, 2011).
Nesse sentido, Muller (2014, p. 555) enuncia que “a definição de uma política pública é baseada em uma representação da realidade que constitui o referencial dessa política”, o que envolve a definição de objetivos que serão definidos com base em uma representação do problema, em suas consequências e em possíveis soluções para resolvê-los.
Muller (2005), desenvolveu um sistema de significado e estrutura de referência de uma política pública a qual abrange não somente o instrumento legal, como também mobiliza a visão de mundo dos agentes e atores, de forma simbólica, em vários âmbitos da sociedade, com base nas normas vigentes que moldam os seus pensamentos e comportamentos. Dessa maneira, sua estrutura pode ser dividida em dois elementos, o referencial global e o setorial, sendo global-setorial, o relacionamento entre eles, como representação do lugar e do papel de um setor numa dada sociedade (MULLER, 2005).
O referencial global é a representação geral, em torno da qual as várias representações setoriais serão organizadas e priorizadas. Consiste em um conjunto de valores fundamentais que se referem às crenças básicas de uma sociedade, bem como em um conjunto de normas que permitem escolher entre os comportamentos (MULLER, 2011). Em relação a isso, o Plano Nacional de Educação pode ser considerado uma proposição de mudança, se constituindo como representação do referencial global e aparece, a princípio, como a expressão de uma mudança no estado do mundo da educação. Portanto, é importante notar que cada estrutura interpretativa não é apenas um estoque de ideias, mas se refere a uma estruturação do “global”.
O referencial setorial é uma representação de um setor, seu primeiro efeito é marcar os limites setoriais, sua configuração e seu lugar na sociedade, pois esses elementos são objeto de conflitos em curso, em conexão com as controvérsias sobre o controle da agenda política (MULLER, 2011).
Assim, a educação municipal é o setor na sociedade em que se insere, coordenada pela secretaria municipal de educação, a qual é responsável por realizar a mediação entre o referencial global (marco de referência de política pública da sociedade em geral) e setorial (marco de referência de política pública da sociedade local).
Para Surel (2008), o referencial tem uma implicação dupla: 1) um ponto de referência em que atende aos processos de categorização e definição que permitem a um determinado setor situar-se na sociedade, visto como um referencial das funções sociais; 2) visto como normas de atualização de ação que vão determinar e enquadrar a política pública.
Para Jobert e Muller (1994, p. 50), esse entendimento coloca o referencial como um mediador que designa "os agentes que fazem o referencial de políticas públicas” e entende que os mediadores são “imagens cognitivas que determinam a percepção do problema por grupos presentes e a definição das soluções adequadas”.
Isso implica entender a dinâmica do processo de discussões e decisões no âmbito da gestão de sistemas educacionais.
A gestão educacional determinada por eixos articulados de ação
O paradigma de gestão da educação foi construído no contexto da democratização e modernização do Brasil. Trata-se de um novo modo de condução do destino das organizações visando à eficiência, eficácia, efetividade e relevância. O processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino é denominado como “Gestão Educacional”. Essa expressão foi aceita e reconhecida por estar ligada ao fortalecimento da democratização do ensino, como essencial para organização e mobilização das pessoas voltadas ao desempenho eficiente e comprometidas com a qualidade da educação (LUCK, 2015).
Segundo Luck (2015, p. 35), o conceito de gestão é amplo e complexo, trata-se de uma concepção paradigmática de superação do conceito de administração, implica a “compreensão do modo como nosso pensamento é orientado para perceber o mundo, o que, por isso, determina o que vemos e o que deixamos de ver, e, em consequência, como reagimos diante da realidade”. Essa concepção envolve entender que problemas globais demandam ações participativas, ou seja, a lógica da gestão se orienta pelos princípios democráticos e se caracteriza na interação dos agentes nas tomadas de decisões sobre orientação, organização, planejamento e articulação dos eixos que determinam as ações.
Portanto, a análise, nesse estudo, apoiou-se nos cinco elementos constitutivos da análise da ação pública definidas por Lascoumes e Le Galès (2012b): atores (agentes), representações, instituições, processos e resultados, considerando-os como eixos que giram em torno dos problemas públicos debatidos no âmbito da gestão educacional, formando uma estrutura, entendida como determinantes para as ações de execução das políticas públicas educacionais. Por essa perspectiva, os eixos que determinam as ações podem ser compreendidos como uma estrutura articulada que simboliza a dinâmica da gestão educacional.
Assim, o quadro de interpretação do mundo que coloca em ordem os diferentes subuniversos de sentido que constituem o setor (educação), se expressa na imagem construída pelos agentes e atores inseridos nos problemas em causa.
Os agentes públicos, políticos e sociais
A partir do marco introdutório da democratização do país, surge um novo cenário para as organizações, a modernização, o avanço democrático, diferentes demandas de ações públicas, e a necessidade de modificações nas formas de participação da sociedade. Emerge então, o perfil de sujeitos participativos denominados atores sociais.
O conceito de atores, definido por Darli de Souza Dias no dicionário de políticas públicas compreende os: “indivíduos cuja participação interfere na qualidade das ações que impactam na qualidade de vida de todos os seres que constituem as diversas redes sociais” (DIAS, 2012, p. 29).
Já Lascoumes e Le Galés (2012b) definem atores de forma mais abrangente, como sendo pessoas físicas ou jurídicas que atuam nas tomadas de decisões, e que são capazes de desenvolver estratégias de ação que modificam, aprimoram as ações de natureza pública.
Neste estudo, adotou-se o conceito de agente, definido por Gontijo (2012, p. 21) como “aquele que age, opera, que realiza a ação”. Ele pode ocupar três posições: o de agente público, agente político e o agente social. No âmbito do sistema educacional, os agentes ocupam essas três posições. O agente público “é um indivíduo, pessoa física, que exerce uma função pública no âmbito do Estado” (DIAS, 2012, p. 29).
Na área da educação, esses agentes são os professores, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, supervisores de ensino, e demais profissionais que atuam no sistema educacional, ou seja, são ocupantes de função pública instituída por lei, para o exercício de determinada atividade na prestação do serviço público.
O agente político é “o indivíduo que exerce alguma função pública considerada superior na hierarquia da estrutura constitucional do Estado” (GONTIJO, 2012, p. 21). Estes são os agentes no âmbito municipal: assessores e secretários, no poder executivo; e vereadores, no poder legislativo.
O agente social é aquele “indivíduo que opera uma ação no âmbito do sistema social, desenvolvendo ações específicas para a sobrevivência do sistema” (GONTIJO, 2012, p. 21). A escola, por exemplo, é reconhecida como um sistema social composta por agentes internos e externos: internos são aqueles que agem no interior do sistema (professores, diretores escolares, alunos, pessoal de apoio administrativo e pedagógico), externos são aqueles que agem sobre o sistema (prefeitura, ministério da educação, secretaria municipal de educação, conselho tutelar, dentre outros órgãos), além dos atores sociais que são a comunidade, os pais e familiares dos alunos.
Os paradigmas que formam as referências dos agentes que atuam na gestão, seja na escola ou no sistema, são diferentes por estarem entre duas visões, a micro (escola) e a macro (sistema). Os agentes e atores que vivem na sociedade são responsáveis por inscrever os fatos sociais na agenda política tornando-os problema público. Lascoumes e Le Galès (2012b, p. 141) explicam que “um problema se torna público a partir do momento em que os atores sociais estimam que algo deve ser feito para mudar uma situação”.
Os vários agentes e atores da sociedade influenciam as decisões no âmbito do referencial setorial em busca de solução para os problemas. Os problemas quando inseridos na agenda de ações impulsionam o processo de mobilização de recursos, caracterizados pelos meios de uso do poder de influência que, em grupo ou individualmente, os agentes utilizam para defender seus interesses. Isso, porque a visão dos agentes se difere quanto à interpretação do problema e às soluções possíveis.
Portanto, o processo de construção das políticas públicas é indissociável da ação dos indivíduos e dos grupos envolvidos, considerando que são capazes de produzir discursos e mobilizar ações.
Na seção seguinte apresentamos o que caracteriza a participação dos agentes e atores nos espaços de debates para defender interesses coletivos.
Os processos de mobilização dos recursos
O sistema municipal de ensino, constituído pelo conjunto de escolas, enquanto espaço discursivo é o lugar onde se produzem e se reproduzem relações de poder entre os agentes que nele atuam e interagem. O discurso vincula-se à compreensão de que o mundo é criado pela representação social construída historicamente, sendo assim, são os atores que atribuem significados a ele por meio do conjunto das práticas sociais organizadas nas e pelas relações sociais e ideológicas.
Nesse sentido, para analisar a ação pública é necessário refletir sobre as características evolutivas do espaço público e das dinâmicas de ação coletiva. Estudos que incorporam variáveis cognitivas à análise de políticas públicas, buscam na sociologia relacional e dos imperativos culturais, a explicação dos padrões estruturados pela ação individual e coletiva (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012b).
Nessa perspectiva, Muller e Surel (2002) definem dois tipos de fatores essenciais para caracterizar a participação dos agentes e atores nos espaços de debates: os recursos e o repertório de ação. Os recursos dizem respeito à capacidade de agir, a partir do poder conferido no espaço político-administrativo. A natureza desses recursos é caracterizada de acordo com o contexto nos quais são operados. Os agentes e atores podem atuar defendendo interesses de grupos, dos quais eles fazem parte, dentro ou fora do contexto político-administrativo.
Para Muller e Surel (2002, p. 80), “os recursos são ao mesmo tempo mobilizados no interior e no exterior, podendo as duas lógicas combinar-se, cumularem-se ou oporem-se”. O repertório da ação é o conjunto dos meios implementados para o exercício do poder, ou seja, a influência que agentes possuem junto aos tomadores de decisões públicas. O objetivo dessa mobilização dos recursos e repertórios da ação é convencer o maior número possível de pessoas interessadas num problema e/ou numa determinada reivindicação.
A legitimidade dos agentes e atores se dá quando esses conseguem fazer emergir, a partir dos discursos, o real problema; e quando é aceito como representante dos interesses dos grupos. Com isso, a mobilização dos diferentes recursos alimentará as ações coletivas, que constituem o grupo na relação entre os agentes. Dado um problema público, gravitam ao seu redor as configurações dos agentes e atores (mobilização dos recursos, e modos de estruturação) e as matrizes cognitivas (os valores, as representações e as crenças, as formas de se operacionalizar a ação), estabelecendo a natureza de suas relações de formas concorrentes. A abordagem cognitiva das políticas públicas coloca em evidência os vínculos estreitos existentes entre eles (SUREL, 2008).
Essa cristalização conjunta entre a configuração dos agentes e atores e os paradigmas se distingue em quatro fases: a primeira é a problematização - sistema de alianças definidoras da identidade e problemas que os envolvem e o que querem. A segunda fase é o dispositivo de estimulação, ou seja, o fomento dado pelo agente no momento da problematização em busca de adesão, ocorrendo a identidade por meio dos valores circunscritos pela problematização original. A terceira fase é o processo global de estabilização do conjunto de relações e de representações, finalizando com a “mobilização” dos agentes e ou atores e da matriz cognitiva e normativa que se fixou, de forma a estruturar e legitimar as relações e ações dos agentes e atores envolvidos (MULLER; SUREL, 2002, p. 84).
Segundo Muller (2005), o processo de articulação entre a realidade desejada (lógicas globais) e a realidade vivenciada (lógica setorial) se configura no ordenamento das estruturas, normas, regras e instrumentos.
Instituições – estrutura, normas, regras, instrumentos
Políticas públicas são estruturadas por normas, orçamentos e instituições. A visão clássica de políticas públicas é a de que sua ação se inscreve mediante uma lei. Diante desse posicionamento, a ação pública se define como “um conjunto de normas juridicamente formalizadas que designam organismos em função do programa, seus atributos de poder e seus meios orçamentários” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012b, p. 173).
Essa visão predominou por muito tempo, e após estudos sociológicos sobre o tema, verificou-se que os atores da ação pública ignoram a aplicação das normas e resistem a elas, podendo contorná-las, assim como os titulares de poder que violam as leis em nome da manutenção do poder ou lucro. Nesse sentido, as normas funcionam mais como instrumentos de pressão e coerção do que como recursos. Por outro lado, pesquisas cognitivas em políticas públicas identificaram que as normas disciplinam as ações coletivas e o comportamento, produzindo ordem e sentido.
Lascoumes e Le Galès (2012b) apontam três tipos de normas secundárias: normas de interpretação da instituição, normas de adaptação às demandas e contextos e normas de regulamentação dos conflitos entre mediadores e destinatários. Essa visão de norma tem um objetivo pedagógico e de aprendizagem e de acomodação das regras, bem como construção de relações de confiança.
A instituição é uma estrutura social que remete à ideia de interações estabilizadas entre os indivíduos de um grupo, definido por uma identidade construída. Traduzem-se na rotina, nos procedimentos, nas formas de organização, ou seja, são regras formais sancionadas e determinadas pelo comportamento dos atores e variam segundo três dimensões principais: grau de precisão, formalismo e peso normativo. Pela definição clássica de instituição e institucionalização, conforme descrevem Lascoumes e Le Galès (2012b, p. 190), as instituições são construções sociais e políticas, nascidas de conflitos e de negociações. São regras, normas e procedimentos, sequências de ações estandardizadas, mais ou menos coordenadas e obrigatórias, que governam as interações entre indivíduos, notadamente para a construção de políticas públicas.
Dessa forma, as instituições podem ser representadas como instrumentos da ação pública e representam os modos de materializar e operacionalizar a ação governamental. O seu uso se traduz nas técnicas, ou meios de operar os dispositivos, os quais são escolhidos para resolver o conjunto de problemas públicos.
Nessa perspectiva, a gestão educacional compreende o processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino, coordenar as escolas com base nos referenciais normativos, quais sejam, as diretrizes e políticas públicas educacionais, buscando implementá-las, por meio de metodologias de organização de ambientes educacionais autônomos e participativos, de compartilhamento, autocontrole e transparência.
Portanto, a gestão educacional, tanto em âmbito macro (sistema) como micro (escola), abrange a articulação dinâmica do conjunto de atuações como prática social, passando a ser o enfoque orientador da ação organizadora e orientadora do ensino. Essa busca em dar respostas organizacionais e administrativas eficientes, eficazes, efetivas e relevantes às atuais demandas dos sistemas de ensino geram resultados.
Resultados
Os resultados nessa perspectiva referem-se às consequências e efeitos da ação pública durante e após a dinâmica de interações que permeiam os outros quatro elementos das ações: agentes, processos, representações e instituições. Segundo Lascoumes e Le Galès (2012b, p. 62), “as interações desencadeiam processos de transferências, de adaptação e de conflitos dinâmicos que produzem novas regras, estruturando um espaço original de ação pública”. Para os autores, a interação dos agentes e dos atores altera a configuração da ação do Estado, ao ponto de perder sua centralidade e monopólio no processo de ação pública.
Dessa forma, as redes de ações que se organizam nos diversos níveis rompem cada vez mais com a concepção clássica de Estado. Com efeito, no espaço educacional municipal, o exercício do poder e a orientação para elaboração de políticas públicas são cada vez mais influenciados pelos processos de representação dos agentes. Esse fenômeno foi identificado nas análises de políticas públicas desenvolvidas nos últimos anos, e a conclusão é a de que políticas públicas do tipo top down têm sua capacidade de transformar o real.
Quando o governo seleciona os desafios que integrarão a agenda pública, as decisões são tomadas em gabinetes, sem participação da sociedade civil. Esse modelo é chamado de top down por basear-se nesse voluntarismo político (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012).
Lascoumes e Le Galès citam três perspectivas de interpretação de fracassos de políticas nesse modelo: a inefetividade, a ineficácia e a ineficiência. A inefetividade está relacionada à falta de regulamentação de leis, o que inviabiliza a aplicabilidade da política pública; a ineficácia é quando o objetivo principal da política pública não é alcançado ou se mostra irrelevante; e a ineficiência relaciona-se com o custo elevado para implementação de uma política pública, com obtenção de resultados ínfimos. A partir dessa identificação dos fracassos na implementação de políticas públicas, surge a necessidade de analisar o processo de racionalização da ação pública, significa dizer: “resolver problemas concretos de governos e populações”.
É nesse contexto de mudanças nas políticas públicas ocorridas nas últimas décadas, e mais recentemente com a adoção de um referencial de modernização e democratização baseadas na ideia de eficiência, eficácia, flexibilidade e inovação, que a educação vem sendo reformada (LESSARD, 2016). A visão é a de articulação, seguindo a lógica do gerenciamento privado, significando a diminuição das prerrogativas do Estado, por meio da descentralização e da desconcentração; a necessidade da reorientação curricular de projetos e programas; a criação de exames e avaliações; a atribuição da gestão da educação aos níveis intermediários; a concessão de maior autonomia financeira às escolas; o estabelecimento de processos de prestação de contas.
A qualidade educacional, legitimada por resultados das avaliações externas, fez surgir o estabelecimento de rankings, tanto de sistemas de ensino como de escolas públicas e particulares, com os melhores e piores resultados. Diversos autores como Afonso (2005), Araújo; Almeida, Dalben e Freitas (2013), Franco, Alves e Bonamino (2007), Lemes (2015), Luzio (2005), Sousa e Oliveira (2005), Werle (2011) estudaram a avaliação externa, sua origem, os caminhos percorridos por esse novo modo de regulação, e o novo conceito de qualidade educacional representado pelo Índice de Desenvolvimento da Eduação Básica (IDEB), implantado em 2007. Essa visão torna-se, portanto, determinante nas ações dos agentes, pois utilizam as notas e os resultados como diagnóstico para o planejamento de ações.
Assim, pode-se inferir que a presença de um referencial cognitivo e normativo promove a movimentação e a interação dos agentes, o que consequentemente movimenta os demais eixos que constituem a dinâmica de interação das ações políticas.
Compreendendo a dinâmica de interação das ações políticas
Para compreender e discutir a dinâmica do conjunto de interações entre os agentes para execução das ações educacionais, criamos uma representação gráfica (Figura 1) para mostrar a estrutura que se forma no âmbito político administrativo, devido à relação entre dois referenciais, cognitivo e normativo.
Os eixos da ação pública, os quais chamamos de determinantes da ação, são: os agentes, os processos de mobilização de recursos, as representações, as instituições e os resultados. Nessa representação, consideramos os agentes e os problemas públicos o centro de todo processo, como o eixo que movimenta todos os outros eixos. Os demais eixos que se movimentam, simbolicamente, pela interação dos agentes são: 1) os processos de mobilização do repertório de ação, entendidos como os argumentos e poderes legitimados pelas posições que os agentes ocupam no contexto da atuação; 2) as representações, que estão ligadas aos modelos de gestão e organização da educação, os quais formam a visão de mundo dos agentes, influenciadas pelos paradigmas, sistemas de crença e referenciais; 3) as instituições, construídas em forma de instrumentos de regulação, constituindo as regras e as normas; 4) os resultados, que se definem pelos efeitos da ação pública quanto à eficiência e à eficácia.
Esses elementos em ação podem ser entendidos como a dinâmica de interações, representada por uma estrutura em movimento no interior do referencial setorial, a imagem do setor, ou seja, a política educacional, Plano Municipal de Educação. Segundo as proposições de Muller (2011), uma política pública consiste na construção da representação da realidade desejada, criando, assim, uma imagem da realidade sobre a qual se quer intervir. Essa imagem é uma construção cognitiva organizada pelos agentes de acordo com a percepção do problema, os quais confrontam soluções e definem suas propostas de ação, chamada por Muller de “visão de mundo”, que constitui, então, o referencial de uma política.
Os agentes são responsáveis pela agilidade desse processo da dinâmica, que resultam na transformação da matriz cognitiva e normativa (imagem), do global para o setorial, que se traduz em mudança, de forma que o real desejado seja percebido na prática. Ou seja, o centro de todo o processo está nos agentes como responsáveis por colocar os problemas públicos em debate, o que coloca todos os demais eixos em funcionamento e podem resultar em eficiência e eficácia da gestão educacional.
O referencial setorial está situado no interior do referencial global, pois o referencial global se constitui no conjunto das políticas públicas que formam o arcabouço legal orientadores da educação no Brasil, representado pelo Plano Nacional de Educação. O referencial global é uma imposição como marco de referência para a política pública, isso é o que gera elementos de articulação entre global e setorial.
Assim, a tese desenvolvida possui três dimensões: A existência de um referencial cognitivo e normativo que promove a movimentação da interação entre os agentes, o que, consequentemente, movimenta os demais eixos que constituem a dinâmica da gestão educacional. A ordem de prioridade para execução das estratégias de ação é definida pela matriz cognitiva e normativa, que se transforma na dinâmica de interações produzidas no âmbito da gestão educacional. As estratégias vão sendo executadas conforme as pressões dos agentes públicos, políticos e sociais que defendem interesses relacionados a problemas públicos a partir de uma representação específica de seu lugar na sociedade.
Enfim, o estudo possibilitou compreender o PNE e o PME como dois referenciais que simbolizam a matriz cognitiva e normativa, um global e o outro setorial, considerando a relação entre eles. O espaço de debates e tensões, que caracterizam a interação entre os agentes, pode-se dizer que é onde são produzidas as estratégias de ações e os novos conhecimentos.
Considerações finais
Esta síntese conclusiva finaliza o processo analítico, interpretativo e compreensivo, desenvolvido ao longo da pesquisa. Baseado nessa teoria, o estudo mostrou que a gestão educacional pode ser compreendida como espaço dinâmico de interações, que se movimenta por eixos que determinam as tomadas de decisões. Pode ser vista como uma estrutura, constituída por: agentes, processos de mobilização de recursos (capacidade de agir), repertório de ação (exercício do poder), representações (paradigmas, referenciais, sistemas de crenças), instituições (instrumentos) e resultados (efeitos das ações).
A interpretação que se pode dar é que os debates sobre os problemas e desafios públicos promovidos pelos agentes são permeados por discursos mobilizados pelos sistemas de crenças, paradigmas e referenciais. Esses debates são liderados por mediadores da ação pública, capazes de estabelecer a matriz cognitiva e normativa que se dissemina por meio de instituições, normas, regras e instrumentos, os quais produzem resultados.
A análise realizada nessa perspectiva teórica permitiu extrair pontos fundamentais para a discussão e a compreensão dos determinantes que compõem a ação pública no âmbito político-administrativo municipal e o momento da formação da matriz cognitiva e normativa que possibilita passar da descrição para inferências.
Conclui-se, portanto, que estudar o plano municipal de educação como instrumento cognitivo e normativo, e a imagem do real desejado para a educação, implica considerar que os temas abordados no plano devam estar no centro dos debates dos agentes para que estejam em constante movimento e diálogo.
O estudo mostrou que a gestão educacional é complexa, para além dos processos organizacionais, mas no que diz respeito à formação das consciências coletivas em que constitui a matriz cognitiva e normativa a qual se busca alinhar ao referencial global pelo debate no setorial pode se traduzir em qualidade da educação. Essa identificação coloca a formação continuada como condição necessária para que os agentes sejam capazes, por meio do conhecimento, de interpretar, traduzir e persuadir grupos para reconstruir a matriz cognitiva e normativa no âmbito político-administrativo com efeitos no sistema educacional e voltados para a sua realidade.
Os resultados desta pesquisa permitem, a partir da análise cognitiva de políticas públicas na perspectiva da ação pública, compreender a dinâmica de interações que se estabelecem na construção, implementação e operacionalização das políticas públicas. A análise cognitiva de políticas públicas se apresenta como um referencial teórico e, ao mesmo tempo, um procedimento analítico que possibilita verificar e caracterizar as dinâmicas de interações no sistema, tanto global como referencial, que influenciam nos seus desdobramentos e na sua efetividade.
Resumo
Main Text
Introdução
A relação entre dois referenciais: o plano nacional e municipal de educação
Ação pública
Referencial cognitivo e normativo como perspectiva de mudança
A gestão educacional determinada por eixos articulados de ação
Os agentes públicos, políticos e sociais
Os processos de mobilização dos recursos
Instituições – estrutura, normas, regras, instrumentos
Resultados
Compreendendo a dinâmica de interação das ações políticas
Considerações finais