Thu, 04 May 2023 in Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação
DA TEORIA À PRÁTICA TEXTUAL NO ENSINO MÉDIO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
RESUMO:
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que investigou a concepção de texto e produção textual no Ensino Médio. O estudo identificou limitações e potencialidades na escrita dos alunos por meio da observação em sala de aula, entrevistas, análises de produções textuais e outras abordagens metodológicas. A pesquisa utilizou uma metodologia qualitativa que envolveu pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Os resultados revelaram que as práticas pedagógicas nas aulas de produção textual ainda reproduzem um ambiente de ensino-aprendizagem com condições de produção artificiais e descontextualizadas, típicas da atividade de redação escolar.
Main Text
Introdução
O Ensino Médio público brasileiro é predominantemente propedêutico e organizado com o objetivo principal de ser uma etapa preparatória para o Ensino Superior ou/e para o mundo do trabalho. A produção textual, nesse contexto, surge como uma forma por meio da qual o jovem pode expressar sua autonomia e liberdade de expressão tão caras na sociedade atual. Essa produção envolve não só habilidades como coesão, coerência, domínio da Língua Portuguesa, conhecimento e organização de ideias e informações inerentes das mais diversas áreas do saber, como também o senso e pensamento críticos e reflexivos tão necessários para a formação cidadã.
Para se tornar um escritor proficiente, o aluno é desafiado a produzir textos/discursos nas mais variadas situações comunicativas, sejam elas formais ou não, utilizando de modo consciente os mecanismos linguísticos, estilísticos e argumentativos, a fim de estabelecer uma comunicação clara e eficaz. Assim, escrever de maneira articulada, coesa, coerente, com conhecimento dos gêneros e atendendo às especificidades comunicativas são habilidades básicas a serem desenvolvidas pelos alunos no Ensino Médio e imprescindíveis para a sua participação ativa na sociedade e para a construção da sua autonomia, frente a uma das modalidades de uso da língu(a)gem
A linguagem, em uma abordagem social, constitui-se em um “compartilhar com o outro”, instaurando na língua um processo de interação, realizado no processo de enunciação as relações de sentido são, assim, destacadas como sendo de origem dialógica. (BAKHTIN, 1981, 1998). Daí a relevância de se trabalhar com a escrita de modo a criar interações entre os alunos, seus pares e seu contexto histórico-social, sendo a atividade da escrita ao mesmo tempo um exercício individual e coletivo. Do ponto de vista dialógico bakhtiniano, o sujeito e os sentidos constroem-se discursivamente nas interações verbais, na relação com o outro, em uma determinada esfera da atividade humana. A formulação do pensamento passa pela representação e pela constituição da consciência do outro, e desse modo “Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo”. (BAKHTIN, 2003, p. 378). Portanto, considera-se que o lugar da interação do sujeito é, pois, a linguagem, assim, “a palavra quer ser ouvida, entendida, respondida e mais uma vez responder à resposta, e assim ad infinitum” (BAKHTIN, 2003, p. 334).
Nesse sentido, o aluno, ao entrar na escola, já possui léxico e o domínio da linguagem coloquial; a escola, por sua vez, torna-se mediadora entre os saberes, novo para esse aluno, o saber que o mesmo já possui, propiciando a expansão do conhecimento da língua, a ampliação do seu léxico e a sistematização e conhecimento de novas estruturas linguísticas, ao mesmo tempo em que se mobiliza para o mundo da escrita. Assim, ao produzir textos, o aluno amplia suas formas de comunicação, pois consegue expressar-se também por meio da linguagem escrita, ao longo da Educação Básica, e desse modo, espera-se que o aluno consiga tornar-se proficiente enquanto escritor.
De acordo com Freire (1996a), o professor contribui de modo significativo na constituição da subjetividade do aluno, a cada momento que reforça a curiosidade crítica do mesmo e/ou apresenta novas formas de aproximação dos objetos cognoscíveis e suas possíveis relações. O aluno, por sua vez, exercita formas mais elaboradas de estruturas argumentativas, assim como de pensamento e de linguagem, compreendendo o mundo e compreendendo-se nele, discernindo as relações criticamente e as múltiplas dimensões e hipóteses das conexões de fenômenos que formam a realidade, problematizando para aprender a argumentar e a pensar de modo mais elaborado. A proficiência escritora possibilita ao aluno ter autonomia, desenvolver a capacidade de criar suas próprias representações de mundo, pensar estratégias para resolução de problemas e aprender a compreender-se como sujeito. A autonomia, conforme Freire (1996b), é fundamental para a construção de uma sociedade democrática e para criar condições de participação social e política, contribuindo para a construção de uma nova sociedade.
Nesse sentido, processo educativo em suas diferentes vertentes e formas tem como finalidade a formação de sujeitos que possam atuar, se expressar e participar da construção social de forma autônoma e com liberdade. Considera-se, portanto, que a produção textual, enquanto possibilidade de expressão individual e coletiva, está diretamente associada aos princípios elencados à Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), referentes ao Ensino Médio, tais como: a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando; o aprimoramento do educando como pessoa humana; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática. (BRASIL, 1996).
As dificuldades relacionadas à escrita perpassam todo o Ensino Médio. Uma parcela considerável de estudantes conclui essa etapa de ensino sem dominar e produzir adequadamente os gêneros textuais e apresentam no texto escrito problemas relacionados à coesão, coerência e organização de argumentos. Constata-se que várias são as questões que influenciam a relação do aluno com o saber de produção textual, e entre elas estão: falta de aprofundamento e discussão dos gêneros textuais, falta de material didático com gêneros diversificados e atrativos aos alunos, falta de preparo de alguns professores para dinamizar e elaborar as aulas de produção textual. Observa-se ainda, que há poucos cursos ou programas para preparação específica de professores do Ensino Médio da rede pública no que tange à produção textual, prejudicando, muitas vezes, o modo como o profissional entende a matéria e sua importância, tendo, por vezes, como resultado, aulas de redação nas quais os conteúdos são “pulverizados”, sem que haja uma preparação adequada e intencionalidade maior que simplesmente dar nota ou cumprir o que está no planejamento curricular da escola; isso tem reflexos no aprendizado e no modo como os alunos produzem seus textos.
Frente ao exposto, este artigo explorou por meio de pesquisas documental, bibliográfica e de campo as concepções atribuídas à produção textual no Ensino Médio, com o objetivo de gerar subsídios para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem da produção textual nessa etapa da Educação Básica.
Metodologia da pesquisa
A pesquisa qualitativa numa abordagem sócio-histórica foi escolhida como metodologia para esse estudo, uma vez que tem como princípio compreender os eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas prováveis relações, associando o individual com o social. Trata-se de um método no qual se tem a oportunidade de observar os problemas humanos na perspectiva da sua relação com a cultura e como produto das relações sociais.
Tal escolha metodológica levou em consideração aspectos que fundamentam a investigação qualitativa, tais como: a preocupação maior com o significado dos fenômenos, processos sociais e culturais que circundam as relações e fenômenos sociais, tão necessários para a compreensão do objeto desta pesquisa. Nesse sentido, o percurso metodológico da pesquisa envolveu, em suas etapas: a pesquisa bibliográfica, a documental e de campo. Para a compreensão e análise da literatura e dos documentos relacionados ao objeto da pesquisa foi utilizada a análise do discurso, um valioso instrumental para inferência de sentido e para a compreensão dos conceitos e ideias contidas nos textos, já que oferecem os meios para a reflexão sobre a estrutura e a geração do sentido. Também as entrevistas semiestruturadas foram escolhidas como instrumentos utilizados na terceira etapa da pesquisa. Tais procedimentos colaboraram muito com a investigação e análise dos conceitos, dos aspectos afetivos e valorativos dos sujeitos da pesquisa e revelaram significados pessoais de suas atitudes, comportamentos e conhecimentos, sendo de grande utilidade para a pesquisa.
A pesquisa de campo foi realizada na Escola Estadual Adélia Prado 1, da Rede Pública Estadual de Ensino de Minas Gerais (RPEE-MG), localizada na Zona Leste de Belo Horizonte, M.G, com alunos do 3º Ano do Ensino Médio e com professora de Língua Portuguesa que lecionava produção textual nas turmas. O estudo foi realizado ao longo de um ano letivo, sendo observadas aulas de produção textual, assim como as atividades realizadas por esses alunos ao longo do ano. Para preservar a identidade dos participantes da pesquisa e da escola investigada foram criados nomes fictícios para a professora e para os alunos sujeitos da pesquisa.
Concepção de texto, textualidade e produção textual
Para compreender a concepção de texto, a textualidade e o próprio fazer textual foram realizadas entrevistas semiestruturadas e observação das aulas de produção textual, com o objetivo de buscar a construção contextualizada do discurso, sendo analisado, não como falas solitárias e desconectadas do contexto no qual estão inseridas, mas sim como um discurso socialmente compartilhado, tendo em vista que os discursos estão implicados, uma vez que seu sentido está atrelado aos contextos sociais de sua produção. Sendo assim, os alunos e a professora ao formularem suas respostas emitiram um discurso que não representa somente um ponto de vista pessoal, porque a subjetividade é construída no contexto social.
O espaço escolar e a produção textual na visão dos sujeitos
A entrevista semiestruturada realizada com os alunos teve a finalidade de observar as diferentes experiências vivenciadas por eles no ambiente escolar, seus conhecimentos acerca da produção textual e seus elementos. O primeiro ponto relevante foi observar e analisar a percepção dos discentes em relação à escola onde estudam. Para a aluna Ellen, a escola propicia conhecimento para a vida adulta, conforme expressa no seu depoimento,
[...] para mim a escola é muito importante, é importante! Porque é nela que a gente aprende e consegue conquistar um futuro melhor. Sei lá, fazer uma faculdade ou trabalhar, [...] hoje a gente não tem chance se não tiver pelo menos o 3º ano. Sei disso, porque meu irmão acabou de concluir e não conseguiu emprego ainda [...]” (ELLEN, 3º ANO, E.E.A.P).
Outra aluna, assim, se manifestou,
Bom, a escola para mim é um lugar que venho para aprender, ter experiências que não temos na nossa casa. É importante ter a escola como algo bom na nossa vida. Gosto de sempre aprender algo novo nas aulas e com os professores. Acho a nossa escola bem legal, tem professores bons, acho isso bom! (GIOVANA, 3º ANO, E. E. A. P).
De acordo com os depoimentos dos alunos, a escola é vista como o lugar de socialização, e, por conta disso, os participantes da pesquisa, repetidas vezes, citavam a escola como um ambiente onde encontravam amigos e se articulavam para além dos muros do ambiente escolar. Conforme Dayrell, Gomes e Leão (2002), a escola é lugar também de socialização dos jovens, tendo uma influência que pode conduzir a dinâmica da vida social deles, o que não exclui as experiências vivenciadas em outros lugares, como no seio familiar.
Outro ponto importante das entrevistas foi a concepção de texto construída pelos participantes, uma vez que vários deles responderam de maneira vaga e, por vezes, confusa. Um dos alunos disse:
[...] o texto é [...] você sabe, é aquilo que a gente faz na sala quando a professora pede. É aquele trem de argumentar, com um monte de temas e coisas e ideias e tem de fazer direito e escrever muito e concluir [...] para não perder ponto. E ir bem nas provas e no Enem (PAULO, 3º ANO, E.E. A.P).
Verificou-se que outros alunos confundem ou definem de forma vaga o conceito de texto, limitando-o a um tipo textual: a dissertação. No discurso de um deles, observou-se essa confusão de conceitos. Para ele,
O texto tem que ter introdução e argumentação, com começo meio e fim. E também pontuação e ter parágrafos e a concluso, não é assim? Eu tenho dificuldade em fazer os textos, não consigo colocar minha opinião [...] (PIETRO, 3º ANO, E.E. A.P).
Nesse mesmo sentido, uma concepção de texto um pouco mais elaborada foi apresentada por outro aluno,
Texto, ah! [...] existem vários tipos, depende do que queremos escrever, mas no Ensino Médio nós escrevemos mais aqueles que tem que argumentar e concluir, a dissertação. Tem sempre atividade na aula de produção para produzir esses textos [...] (JÚLIO, 3º ANO, E.E. A.P).
Como se vê, a concepção de texto apresentada pelos alunos revela uma lacuna no entendimento de texto e de discurso. Com base nos depoimentos, pode-se afirmar que texto para eles é quase um exercício de treinamento, algo que se pratica na escola e para a escola, uma atividade pouco produtiva, e que não representa a realidade social, cultural e comunicativa desses alunos, deixando de ser um exercício próprio do homem, enquanto ser social, para representar uma atividade quase artificial de comunicação. Segundo Bulla e Silva (2017, p.1987):
É esta concepção de linguagem, portanto, que embasa o ensino de línguas da escola engajada na formação de cidadãos, assumindo que ensinar línguas (ou educar em termos gerais, uma vez que o evento aula é realizado pelo uso da linguagem em interações sociais) de modo descontextualizado e higienista não dá conta da complexidade do fenômeno em si.
As atividades de produção textual na escola não são observadas pelos alunos como atividades que se desenvolvem em torno da ampliação de seu repertório discursivo, da construção de possibilidades argumentativas, críticas e lexicais que vão ao encontro da construção da autonomia e da proficiência escritora. Entretanto, observam a produção textual como algo feito para uma finalidade única, isto é, conseguir a nota, por meio da avaliação da professora, e passar na prova do Enem. É o que se observa no depoimento de uma das alunas. Para ela a produção textual, na maioria das vezes, é um exercício monótono e repetitivo, e em razão disso, a aluna afirmou,
[...] eu faço textos porque sou obrigada, não gosto de escrever! Para mim, escrever é uma coisa muita chata! É sempre a mesma coisa: a professora dá um monte de texto para a gente ver e depois pede algo, como se chama mesmo? Esqueci, aquele texto que a gente dá argumento (texto dissertativo argumentativo, diz a entrevistadora), isso mesmo! Não gosto muito, é sempre uma cobrança! Faz isso, pois é para ter nota no Enem! O povo nem sabe se vou fazer o tal do Enem! [...] (JANE, 3º ANO, E.E. A.P).
Nessa perspectiva, ao descrever a importância da produção textual, uma aluna dá destaque à maneira como são realizadas as atividades de produção textual e como os alunos são “cobrados” para entregarem as atividades em um prazo determinado pela professora. Portanto, a aluna salienta que,
[...] as atividades de redação são quase sempre na quarta. A professora chega, entrega para a gente textos, a gente lê, às vezes [...] discute sobre alguns, mas não é sempre. E aí vem a parte que eu não gosto tanto, é que a professora sempre pede um texto dissertativo, sempre diz que é importante! Eu entendo, mas toda semana! É muito cansativo e não tem só a aula dela não, é muito trem para a gente fazer! Mas faço, não perco um exercício, vale ponto e é bom para treinar para o Enem, para prova do Enem. Aí eu faço, daquele jeito, mas faço! [...] (BIANCA, 3º ANO, E.E. A.P).
Verificou-se, também, em alguns depoimentos, como os das alunas Jane e Bianca, discursos ensaiados sobre a importância de se escrever um bom texto e de se praticar a escrita, sem que haja uma reflexão sobre o ato de escrever. Essa postura tende a esvaziar o sentido desse ato, perdendo a sua dimensão dialógica, construtora de um repertório discursivo e crítico, inserido em um contexto, e não somente um ato mecânico e repetitivo.
Na observação das aulas de produção textual da professora Dália, observaram-se aulas tradicionais, que mais se aproximam de uma aula de redação, com o texto configurando-se como produto pronto e acabado, um exercício que começava e terminava em sala, sem que houvesse realmente uma reflexão sobre o ato de escrever, suas intencionalidades e seus contextos. O conceito de produção de texto acabou ficando mais no plano ideal que está descrito no plano de curso do professor em questão, mas que não era efetivado na sua prática.
Os alunos, por vezes, mostraram-se apáticos e desmotivados com as atividades propostas pela professora, sendo comum nas observações ouvir comentários como: “De novo fazer redação!”, “Não aguento mais escrever, não vejo para quê?”, ou “Professora, temos que fazer? Deixa a aula livre, vamos conversar sobre o assunto!” Tais comentários suscitaram questionamentos sobre como desenvolver atividades atrativas para esses alunos, envolvendo-os nas aulas de produção textual, dando a eles a oportunidade de se expressarem, relacionando-se com os seus pares e com o mundo a sua volta. Não significa, no entanto, deixar de ensinar a dissertação argumentativa, mas relacioná-la de forma mais contextualizada, para que os alunos, no exercício da escrita, possam se compreender como produtores ativos de conhecimento e de seus discursos, deixando de escrever para a escola, e passando a escrever na escola. O ato da escrita necessita observar a produção textual como uma prática social; muito mais que um simples exercício, a produção deve ser um instrumento de interação e inserção no mundo letrado que o cerca, trazendo a esses alunos subsídios para exercer sua autonomia e cidadania.
A fim de compreender como a professora organiza sua prática e os conceitos que circundavam a produção textual, foi realizada entrevista semiestruturada que incluiu questões acerca das práticas pedagógicas e os seus efeitos sobre os alunos em questão.
Pode-se afirmar que a prática pedagógica é um trabalho complexo que requer dos professores, além dos conhecimentos acadêmicos, conhecimentos cultural e social que podem aproximá-lo de seus alunos e mobilizá-los em direção ao saber. Nesse contexto, conhecer a experiência profissional da professora participante foi importante para compreender quem é essa profissional e quais referências ela utiliza em sua prática pedagógica. Atrelado a isso, também foi importante identificar a sua visão de escola, assim como entender como percebe os seus alunos, a fim de compreender como são construídas as relações com esses e com o seu local de trabalho. E, por fim, considerou-se de suma relevância entender quais são as suas referências para o ensino de produção textual. Nesse sentido, a entrevista possibilitou analisar e compreender melhor as escolhas e as práticas pedagógicas realizadas pela professora ao longo do processo de ensino-aprendizagem dos alunos. O primeiro ponto observado na entrevista com a professora foi a relação com a escola em que trabalha. Sobre esse aspecto, Dália afirmou:
Trabalho nessa escola há mais ou menos 5 anos, [...] Gosto bastante da filosofia da escola, temos liberdade para realizarmos projetos. Eu sempre faço projetos na Semana de Educação para Vida, uma semana que acontece em novembro, e que organizamos várias atividades fora de sala e com a participação de outras disciplinas. Gosto de poder organizar com mais liberdade as minhas aulas e a maneira como elas são organizadas. E a direção da escola me dá essa liberdade, claro tudo dentro dos conteúdos exigidos, é muito gostoso [...]! (PROFA. DÁLIA, LÍNGUA PORTUGUESA, E.E.A.P).
A importância da autonomia no trabalho docente foi, por vezes, enfatizada pela professora que ressaltou que isso propicia um ambiente mais agradável para que os profissionais trabalhem. Outro ponto interessante da entrevista foi como a profissional observava os alunos, assim como sua relação com esses,
Temos muitos alunos bonzinhos, que fazem tudo e que não atrapalham as aulas, mas temos alguns que são mais complicados, que não querem nada com nada! Não querem realizar as atividades, que não respeitam nossa autoridade e que querem ficar conversando o tempo todo. Às vezes eu perco a paciência; o trabalho do professor já é difícil, e ainda tem uns que não cooperam [...] (PROFA. DÁLIA, LÍNGUA PORTUGUESA, E.E.A.P).
Constata-se, por meio desse exemplo, que a falta de diálogo e de compreensão é um dos problemas que interferem na relação professor/aluno. Em muitos casos, o aluno é considerado ruim e visto como aquele que não se encaixa totalmente nas regras da escola. Observou-se certa tendência presente na escola de padronizar os comportamentos dos alunos. Essa postura dificulta, por vezes, uma relação saudável entre professor e alunos e pode, de certo modo, influenciar negativamente na aprendizagem dos estudantes. Segundo Charlot (2013), os jovens anseiam que seus interesses sejam considerados na escola, para tanto é necessário que essa instituição estabeleça um diálogo entre os interesses acadêmicos e curriculares, a juventude e seus interesses, reforçando uma aprendizagem significativa.
Desse modo, quando o professor entende a dimensão do diálogo como postura necessária em suas aulas, os alunos estarão mobilizados para se envolverem nas atividades escolares e, consequentemente, aprenderão muito mais. Nessa perspectiva, ele não é um transmissor de conhecimentos, mas é visto como um mediador, capaz de articular as experiências e vivências do aluno com os conhecimentos escolares, levando-os a refletir sobre o seu entorno, assumindo um papel mais humanizado em sua prática pedagógica. Para Vygotsky (1991), a interação social e mediação são pontos relevantes no processo ensino-aprendizagem, uma vez que estão relacionados ao processo de constituição e desenvolvimento dos jovens enquanto sujeitos. Assim, a atuação do professor é importante, pois ele exerce o papel de mediador da aprendizagem do aluno. Para Caiado, Fontes e Barros (2021, p. 2688):
As novas competências exigirão a formação de professores com perfil de mediadores, que saibam mais orientar do que fazer, escutar do que falar, calar do que ministrar, que se preocupem com a resolução de problemas reais e concretos, preparados para repensar tempos, espaços, currículos, projetos político pedagógicos, ressignificando conceitos e ações, incluindo-se aí, também: a prática docente e o entendimento das TDIC, implementando mudanças, o que desafia as instituições de ensino superior na formação destes profissionais.
Diante do exposto, vários são os questionamentos que permeiam as práticas pedagógicas docentes desenvolvidas, a fim de compreender melhor esse espaço pedagógico que se torna a sala de aula.
O segundo momento da entrevista foi voltado para os conceitos relacionados ao seu fazer pedagógico. E, com relação às aulas de produção textual, a professora afirmou:
Acho fundamental o aluno saber se expressar com clareza e exatidão. A produção textual é importante para o desenvolvimento do aluno, para que ele consiga escrever o que pensa e sente. Acho que a escola, em geral, dá pouco espaço para que o aluno se expresse. Eu, por exemplo, sempre deixo espaço nas minhas aulas para que o aluno leia sua dissertação e para que traga seus argumentos e discuta em sala. Lógico que o tempo é pouco, tenho que dividir as aulas com outras demandas dentro da disciplina [...]. No Ensino Médio temos que preparar o nosso aluno para o Enem, e há uma certa pressão para isso! E aí a gente tem que se virar, e às vezes as aulas ficam mais pesadas [...]! (PROFA. DÁLIA, LÍNGUA PORTUGUESA, E.E.A.P).
Como se vê, o depoimento da professora revela a preocupação de muitos docentes sobre os desafios a serem enfrentados para que seu aluno seja proficiente na escrita, entretanto essa proficiência é, por vezes, confundida com dissertar bem, conseguir uma boa nota no Enem ou conseguir “passar todo o conteúdo estabelecido pelas Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio”, negligenciando as especificidades de cada contexto ou mesmo de cada aluno, presando por uma padronização que não beneficia e não abarca as diferenças e as dificuldades dos alunos (BRASIL, 2000, 2006).
Sobre essa questão, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do Ensino Médio - PCNs (BRASIL, 2000), discorrem que a competência linguística do estudante se desenvolve na inter-relação entre uso/reflexão/uso, tendo como base a análise e reflexão da língua a partir de textos. Segundo Moita (1996, p. 181-182), é fundamental que se,
[...] trabalhe com um modelo da linguagem em uso que considere aspectos de sua natureza social, já que [...] o que o professor deseja é que o aluno aprenda a se engajar e a envolver outros em práticas discursivas, tanto na modalidade escrita (literária e não literária) quanto na oral, para poder participar da construção social do significado [...].
Coerente com essa perspectiva, considerou-se relevante conhecer acerca da organização das aulas de produção textual, e a professora descreveu o modo como procede na sua prática pedagógica. Assim, de acordo com a professora,
Em aulas alternadas trago sempre um texto motivador para que possamos ler e depois realizar uma produção. Trago tudo bonitinho, folha separada, com grade de correção. Consegui folha com grade de correção de um cursinho. Eles iam jogar fora e eu peguei; ajuda os meninos a entender como é uma folha de redação do Enem. [...]. No 3º ano sempre foco nas dissertações, acho que é mais produtivo para os alunos. Sempre que possível, avalio as redações e dou pontos dentro do bimestre, assim tem uma pressão, porque eles têm que fazer no horário da aula. Sei que ainda é pouco, mas tento ajudar para que consigam uma nota boa no Enem. Sei que muitos nem vão fazer, pois têm que trabalhar, mas a gente tenta dar uma forcinha para ajudá-los a ter um futuro melhor (PROFA. DÁLIA, LÍNGUA PORTUGUESA, E.E.A.P).
Verificou-se, com base nesse depoimento, que as práticas realizadas pela professora estão voltadas para o ensino do tipo textual dissertativo, ressaltando, em sua fala, a importância do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no cotidiano escolar. O Enem, hoje, é considerado a mais importante política de avaliação externa do governo, uma vez que além de funcionar como parâmetro de qualidade para o Ensino Médio, é a principal forma de acesso ao ensino superior público e aos programas de bolsa para as instituições privadas. Observa-se que a influência e a relevância do Enem no planejamento das aulas de produção textual são nítidas, entretanto, esse procedimento docente pode contribuir para a limitação de saberes do aluno no que diz respeito à produção de textos dos mais variados gêneros, bem como o fomento da proficiência escritora.
A observação das aulas e a produção textual
A observação das aulas de produção textual foi um dos procedimentos utilizados nesse estudo. Considerou-se um instrumento importante para compreender, na prática, como a professora participante da pesquisa interagia com os alunos, quais os materiais didáticos utilizados e como eram suas práticas pedagógicas relacionadas à produção textual. Nesse sentido, foram gravadas cinco aulas de produção textual, com intervalos não regulares. Essas observações foram relevantes como suporte para apreender a complexidade de uma aula de produção textual.
Constatou-se nesse contexto, que a professora utilizava como suportes: o livro didático, esquemas e explicações transcritas no quadro negro e folhas avulsas com atividades e explicações adicionais sobre conceitos relacionados à produção textual.
O livro didático intitulado Português: Contexto, interlocução e sentido publicado pela Editora Moderna foi adotado por ela com principal suporte pedagógico. Na época da pesquisa, ele estava organizado em três partes: a primeira consistiu em uma parte especifica, destinada à literatura; outra parte destinada à gramática e, por fim, uma terceira parte destinada à produção textual. As unidades reservadas à produção textual contavam, no início do capítulo, com uma explicação teórica sobre o gênero ou tipo textual que seria discutido na unidade de ensino. Cada unidade de ensino era composta de, para além da explicação teórica, exemplos dos gêneros ou tipos textuais em questão e atividades de produção de textos, limitando-se a uma ou duas produções por unidade de estudo. Também se observou, nas aulas acompanhadas, que, embora houvesse outros tipos textuais, além do dissertativo argumentativo nas unidades do livro, a professora utilizou somente as atividades que continham o gênero dissertativo.
Verificou-se que os depoimentos dos alunos, durante a observação das aulas, foram marcados por certa desmotivação, pelo fato de realizarem produções, quase sempre, de um mesmo tipo textual. Eram recorrentes os comentários como: “Nossa professora, de novo escrever texto [...]!” “É para fazer esse texto, a gente não fez um, semana passada. Para que outro?”, “Ah! Não, professora! Vamos fazer uma coisa diferente?”. Por vezes, recorrentes produções textuais do mesmo tipo textual eram interpretadas pelos alunos como um exercício monótono e sem inovações, o que causava, em parte dos alunos, certa apatia nas aulas de produção textual.
A abordagem didática realizada nas aulas era, por vezes, reducionista e não abarcava a complexidade das relações sociais e da importância que os tipos textuais têm nas relações comunicativas. As aulas eram divididas em partes: em um primeiro momento eram dadas as orientações, com uma exposição oral da professora, depois eram distribuídas folhas de atividades ou páginas do livro. Em seguida, as instruções eram lidas para a realização das produções, todas dissertativas argumentativas, e logo depois, era o momento de escrita dos alunos. Geralmente, eles não terminavam as produções na sala, sendo entregues na aula seguinte. Essa dinâmica se repetiu durante toda a observação.
Frente a esse cenário, torna-se importante salientar que uma das prerrogativas da Educação Básica é formar cidadãos críticos e autônomos, e para que essa formação seja completa, os alunos precisam ter contato com gêneros e tipos textuais variados e saber usá-los de acordo com cada situação comunicativa, seja oral ou escrita, de forma articulada e coerente com a situação comunicativa na qual se encontra. Sobre essa questão, Marcuschi (2005, p. 29) afirma que “[...] os gêneros textuais operam, em certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa relação sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além da justificativa individual”. Segundo Pinheiro, Pantoja e Salmito (2017, p. 790):
[...] é necessário que os profissionais sejam capacitados e atualizados em relação a diversos temas que não foram vistos durante a vida acadêmica; haja um período de planejamento adequado, para que se possa selecionar aquilo que é coerente ou não e sejam ofertados mais recursos educativos nas escolas, a fim de que o ensino possa ser mais dinâmico e prazeroso, possibilitando uma aprendizagem significativa.
Durante as observações das aulas de produção textual, houve vários momentos nos quais os alunos produziram textos. Para análise neste estudo, foi escolhida a atividade realizada pelos alunos em um dia de observação. Do conjunto de atividades aplicadas, foram escolhidos dois textos produzidos pelos alunos participantes da pesquisa. Essa escolha ocorreu por meio dos seguintes critérios: um texto com muitos problemas estruturais e gramaticais e um que apresentou uma boa estrutura e poucas inadequações gramaticais. As produções textuais foram corrigidas e avaliadas pela professora Dália e não houve intervenção ou modificações na correção. Foram observados, nas redações, elementos de textualidade, coesão e coerência, verificando as demandas dos alunos em relação aos aspectos formais da língua, assim como os processos de elaboração das ideias e argumentos que demandam raciocínio e reflexão do aluno.
A análise teve como principal objetivo observar as habilidades e as competências consolidadas pelos alunos, assim como suas possíveis dificuldades e acertos, contribuindo para compreender como se realiza a prática de produção de texto na escola. A atividade de produção textual proposta pela professora foi composta por textos motivadores e uma proposta de texto dissertativo-argumentativo cujo tema era: “O jeitinho brasileiro e a sociedade ética que queremos”. Nos comandos do exercício, a professora solicitava aos alunos que realizassem uma dissertação argumentativa em norma culta da Língua Portuguesa.
Observou-se no primeiro texto analisado, desvios da norma culta padrão, assim como falta de organização e de articulação argumentativa.
Como se vê, a análise evidenciou que a redação apresenta vários problemas que não se restringem à estrutura padrão de uma dissertação (introdução, desenvolvimento e conclusão), envolvem também desvios ortográficos, de acentuação, de concordância verbal, e além disso, observou-se que o aluno teve problemas no desenvolvimento e na articulação dos seus argumentos. Constatou-se, ainda, em todo o texto, o domínio precário da modalidade escrita formal da língua portuguesa, uma vez que havia vários desvios gramaticais. O título “O jeitinho brasileiro e a sociedade ética que queremos” não apresenta nenhuma inovação, uma vez que é cópia do tema da redação. Além disso, o aluno não foi capaz de estabelecer o fio condutor para a elaboração de uma tese original. Identificou-se ainda, no texto produzido, alguns problemas relacionados ao uso das letras maiúsculas, sendo colocadas no início de substantivos comuns.
Pode-se afirmar que a argumentação foi realizada de modo previsível, sem variedade de argumentos e com baixa informatividade. Desse modo, o aluno apresentou um repertório discursivo considerado insuficiente e fundamentado no senso comum, argumentando que todos os problemas de ética e moral têm origem no mito de que o brasileiro é um povo preguiçoso. Não houve desenvolvimento adequado do único argumento apresentado, e, em vista disso, o leitor não consegue compreender, embora houvesse uma explicação embrionária, a relação entre o argumento apresentado no parágrafo 2 e a tese apresentada na introdução.
Com base nessa versão, pode-se afirmar a existência de dificuldades do aluno na consolidação de habilidades e de competências que são trabalhadas na prática pedagógica, ou seja, aprendidas pelos alunos no Ensino Fundamental, entre elas, a argumentação, a articulação lógica das ideias em um texto, as normas básicas de acentuação e de pontuação.
O segundo texto analisado, por sua vez, permitiu identificar uma organização textual mais complexa e poucas inadequações gramaticais.
Observou-se, nesse texto, um bom nível de argumentação, poucas inadequações ortográficas e de acentuação, assim como a utilização correta de elementos de coesão e de coerência retomados. No 1º parágrafo, para a apresentação da tese, há uma tentativa de contextualização, para tanto, o aluno cita pensadores e suas correntes filosóficas para delimitar os conceitos usados em seu texto. O aluno demonstra, ao citar referências que vão além dos textos motivadores, conhecimento interdisciplinar, assim como uma capacidade de relacionar o tema dado a conhecimentos adquiridos durante a sua formação. Mesmo com os desencontros na elaboração e na articulação das ideias, o parágrafo cumpre o seu papel de introdução e apresenta a tese que será desenvolvida ao longo do texto.
São apresentados os argumentos que sustentam a presente tese. No parágrafo 2º, o aluno apresenta um argumento que se fundamenta na definição do conceito de utilitarismo, que, segundo ele, é “[...] uma corrente ética que diz que algo é bom, quando proporciona a felicidade de uma maioria.” (LINHAS 9, 10). Tal definição serve de justificativa e fundamentação para a afirmativa do “jeitinho brasileiro” é uma quebra de ética que visa um bem maior. Há, nessa forma de argumentar, uma articulação das ideias mais elaboradas das que foram encontradas nas redações anteriores, uma vez que o autor usou mais do que senso comum para desenvolver sua argumentação, ele fundamentou seu ponto de vista, baseando-se em um conceito, e o que esse conceito traz quando aplicado em uma sociedade.
Verificou-se a tentativa de articular diferentes conhecimentos, o aluno continua sua argumentação, desenvolvendo-a por meio de exemplos concretos e de conhecimento geral. Nesse sentido, o texto apresenta a construção de um argumento que é sustentado pela exemplificação, e também há um exemplo concreto que é contextualizado, corroborando, principalmente para a fundamentação da tese apresentada.
No 4º parágrafo, o aluno apresenta a conclusão de seu texto. Nele há a retomada da tese, relacionando-a aos argumentos explícitos inicialmente. Além disso, o aluno apresenta as ideias finais e as articula de maneira a dar progressão ao texto. Traz nesse parágrafo, ainda, possíveis soluções para o que ele descreve como problema para a construção de uma sociedade ética, o utilitarismo, sendo interpretado como “jeitinho brasileiro”. Não há problemas relevantes relacionados à articulação das ideias, e os conectores são usados de maneira coerente, dando ao parágrafo fluidez na leitura.
A leitura do texto revela que o autor tem um bom conhecimento da estrutura argumentativa, como também dos elementos que a compõem. Também há articulação e progressão argumentativa no texto. E, nesse sentido, os argumentos utilizados para sustentar a tese extrapolam os apresentados nos textos motivados ou aqueles de senso comum, o que demonstra conhecimentos interdisciplinares e de mundo por parte do aluno. Verificou-se que o discurso está bem estruturado, contém, elementos implícitos ou explícitos, relevantes à compreensão global do texto e a defesa da tese apresentada obedece a condições de coerência, de coesão e dos elementos de textualidade.
Nesse sentido, as análises demonstraram que os alunos, mesmo estando na mesma série, na mesma escola e com a mesma professora, possuem necessidades pedagógicas diferentes, reforçando a ideia de que as práticas pedagógicas não devem ser padronizadas ou reduzidas a esquemas, mas compreender o aluno como o centro do processo de ensino-aprendizado, respeitando seus limites e mobilizando-o em direção ao saber.
O processo de ensino-aprendizagem da produção textual na escola: o que os dados revelam
Os dados coletados na pesquisa foram analisados a fim de compreender como se dá o processo ensino-aprendizagem de produção textual no Ensino Médio. E, ainda, verificar as práticas pedagógicas relacionadas a esse ensino, bem como os motivos que levam os alunos à constante resistência à prática da produção textual.
Os dados dessa pesquisa e de outras revelam que, na contemporaneidade, um número significativo de jovens que conclui o Ensino Médio não consegue ou tem dificuldades para produzir textos que sejam coerentes, coesos e que apresentem elementos básicos de textualidade. Diante desse contexto, surgiu a necessidade de reflexão sobre o ensino-aprendizagem de produção textual, assim como a inter-relação entre a prática docente e a qualidade da produção textual dos alunos.
Constatou-se, por meio dos resultados apresentados na pesquisa, que os alunos têm dificuldades de expressar o seu ponto de vista, apresentar argumentos que vão além dos explicitados pela professora ou aqueles baseados no senso comum. Ademais, os alunos apresentam dificuldades de conceituar e diferenciar os gêneros textuais, por vezes confundindo os gêneros ou limitando-os a características vagas e mescladas. Assim, com a dificuldade de no ato da escrita seguir o modelo padrão de norma culta, constatou-se a mescla entre a linguagem coloquial e a norma padrão, assim como problemas relacionados aos usos de conectores e de elementos de retomada. Verificou-se que não há, por parte de alguns alunos, a consciência de que a escrita é um ato inerente à vivência e a convivência social e cultural, sendo esse ato reduzido a uma prática escolar e com finalidade valorativa.
Outro ponto relevante para compreensão das práticas pedagógicas, no que tange à produção textual, foi apreender como a professora se vê nesse processo de ensino-aprendizagem de produção textual. Há, segundo a professora, uma pressão para que o profissional consiga ensinar produção textual, literatura e gramática, sem que haja uma proposta pedagógica criada coletivamente para atender essa finalidade.
De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, este nível de ensino demanda uma preparação básica que “garanta ao estudante [...] o prosseguimento dos estudos, para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício cotidiano da cidadania, em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo” (BRASIL, 2006, p. 18). Para que tais premissas se concretizem, é necessário que o aluno se torne proficiente, e seja capaz de ler, interpretar, argumentar e escrever, não somente um gênero ou tipo textual, mas os mais variados textos que circulam no domínio público da linguagem, bem como identificar e se posicionar criticamente em diferentes situações comunicativas nas quais esse sujeito estiver inserido.
As produções analisadas apresentaram níveis diferentes de conhecimento da língua e seus mecanismos, assim como a capacidade de relacionar, de reorganizar, de criar e de estruturar uma argumentação, um discurso e até mesmo o texto. Nesse prisma, considera-se importante e essencial criar estratégias para mobilizar os alunos em direção ao saber, e também criar atividades e metodologias diferenciada, com o intuito de garantir o maior interesse dos alunos no exercício da produção textual, uma vez que essa prática é considerada um dos maiores desafios enfrentados por muitos professores da educação básica, e que requer desses educadores uma reflexão constante das suas práticas pedagógicas.
Os resultados obtidos na pesquisa indicam, assim, que a prática de produção textual nas escolas demanda revisão dos professores, para que a escrita se torne mais atraente e significativa para os alunos e que esses consigam se posicionar como sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem e se tornem autores ativos das suas produções escritas.
Considerações finais
A análise dos dados obtidos no estudo evidenciou um conceito de texto e do fazer textual dos alunos e da professora sujeitos da pesquisa. A maioria deles reproduziu um discurso pronto e já efetivado nos esquemas de como construir uma redação, limitaram-se a relatar esquemas e explicações relacionadas à tipologia textual dissertativa-argumentativa.
Verificou-se que os alunos associavam o conceito de texto com o conceito de dissertar, esquecendo-se dos demais gêneros e tipos textuais. Além disso, as aulas de produção textual foram relatadas como aulas nas quais o professor dita regras relacionadas ao que se deve ou não ser feito em redação, com momentos de escrita artificial e programados, em que se negligencia o papel de sujeito produtor ao aluno.
Pelo exposto, conclui-se que a formação de um escritor proficiente não se dá apenas com atividades repetitivas de produção de texto e sem contextualização adequada. Esse tipo de atividade assemelha-se mais a redação do que a produção textual. Verificou-se determinadas habilidades e competências num momento pontual de avaliação, entretanto, o desenvolvimento da proficiência escritora dos alunos ocorre como resultado de um processo mais longo, que só se realiza por meio de práticas pedagógicas que priorizem um conhecimento contextualizado, que explore os diversos gêneros e tipos textuais, assim como seus aspectos constitutivos, comunicativos e de relevância social.
Sendo assim, defende-se que o professor, enquanto mediador no processo de ensino-aprendizagem, organize sequências didáticas coerentes para tornar as aulas de produção textual significativas e interessantes e que respeite e valorize saberes dos alunos, e que o considere como sujeito que pensa, age no mundo e tem a sua própria forma de considerar as questões, não se limitando a alguém passivo e alheio ao conhecimento, mas que é capaz de mobilizar-se e, sobretudo construir seus próprios saberes de forma crítica e autônoma.
RESUMO:
Main Text
Introdução
Metodologia da pesquisa
Concepção de texto, textualidade e produção textual
O espaço escolar e a produção textual na visão dos sujeitos
A observação das aulas e a produção textual
O processo de ensino-aprendizagem da produção textual na escola: o que os dados revelam
Considerações finais